Domingos Abrantes, em nome dos ex-presos políticos, e a ministra da Cultura, Graça Fonseca, em representação do governo português, presidiram à comemoração da abertura da primeira fase do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, dia 27 de Abril, na Fortaleza de Peniche, constituída por um Memorial no qual estão gravados os nomes dos presos políticos ali encarcerados.
Cerca de 4.000 pessoas - uma grande mobilização nacional que envolveu muitas excursões vindas de várias zonas do país e com faixas próprias de inúmeros núcleos locais da URAP - desfilaram pela cidade desde o Largo dos Bombeiros e concentraram-se no grande pátio da fortaleza junto ao monumento que presta homenagem aos 2510 presos que passaram pela cadeia de Peniche entre 1934 e 1974, da autoria de José Aurélio, na base do qual se lê "Disseram não...para que a água da vida corresse limpa".
As palavras do historiador e ex-preso político António Borges Coelho inscritas no Memorial "Nomeai um a um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza" foram glosadas nas intervenções de Domingos Abrantes e Graça Fonseca.
Depois de aberta a cerimónia pelo presidente da Câmara Municipal, Henrique Bertino, Domingos Abrantes, actualmente Conselheiro de Estado, referindo-se ao Memorial, a que chamou "cartão de visitas do Museu", explicou que este "está organizado por ordem alfabética. Pouco importa como lutaram, quantos anos aqui passaram ou aquilo que sofreram. Como escreveu o poeta Alberti na evocação dos mártires da Espanha Republicana, na qual tantos antifascistas portugueses lutaram e morreram: a quem nomear em primeiro?/ Ninguém aqui é primeiro/ quando o aço é de aço/ aqui são todos primeiro".
"Quando, em 2013, integrado nas comemorações do 25 de Abril, a URAP, numa parceria com a Câmara Municipal de Peniche, completou o levantamento, nome a nome, de quantos aqui estiveram, era difícil prever os obstáculos e incertezas que seria preciso ultrapassar para aqui chegarmos", sublinhou Domingos Abrantes.
O orador lembrou que "no dia 27 de Abril de 1974, há 45 anos, por acção da população de Peniche, de muitos populares e famílias dos presos vindas de longe, dos militares de Abril e em particular do Comandante Machado dos Santos, que saudamos pelo seu papel corajoso na libertação dos presos, para que as portas da cadeia do Forte de Peniche – símbolo odioso da repressão fascista – se abrissem definitivamente para os presos perante a alegria da multidão que se tinha concentrado junto à Fortaleza".
Afirmou ser também "um dia de Festa e de regozijo porque com a inauguração da primeira fase do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, na Fortaleza de Peniche, concretiza-se uma muito antiga reivindicação dos antifascistas e dá-se um grande passo para assegurar a preservação da memória da resistência, para que tenhamos um instrumento de pedagogia democrática e de homenagem a milhares de presos que aqui estiveram encarcerados".
Por seu lado, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, depois de evocar o 25 de Abril e a conquista da liberdade e da democracia, manifestou a sua satisfação por este dia, sublinhando "o papel dos homens e mulheres que fizeram a história deste museu".
Para Graça Fonseca, a prisão de Peniche é "um símbolo maior da resistência ao fascismo", e o museu é um processo de construção que terá de "ser contínuo, como também o é a defesa da liberdade".
"Um Museu Nacional, nosso, para todos nós, não como um lugar de peregrinação mas um lugar de ensinamento e conhecimento», disse Graça Fonseca, acrescentando que "há 45 anos que esperava por esta inauguração".
Após sublinhar que "o trabalho já realizado é resultado do esforço e empenho de muitas pessoas e entidades e em particular Comissão de Instalação dos Conteúdos e da apresentação Museológica da CICAM (Comissão de Instalação dos Conteúdos e da Apresentação Museológica)", Domingos Abrantes referiu que vários outros núcleos do museu estão ainda por concluir, destacando "o Parlatório que mostrará o local onde foram praticados tantas arbitrariedades", e a "exposição na sala contígua ao Parlatório que presta a justa homenagem ao povo de Peniche como terra de resistência e de liberdade".
"A solidariedade da população de Peniche para com os presos e suas famílias, solidariedade material e política, em alguns aspectos decisiva, como no apoio a fugas e na cedência e acolhimento nas residências, regista páginas magníficas de coragem e de luta dos penicheiros contra o fascismo e que importa divulgar", disse.
Continuando a descrever o futuro museu, contou que "na Capela funcionará a exposição sobre a história da Fortaleza, como monumento (...), no Fortim, no Redondo, onde funcionou o «Segredo», destinado à aplicação dos mais duros castigos, evocam-se as fugas das prisões, sobretudo as mais audaciosas, como a de António Dias Lourenço, do «Segredo» para o mar, em 1954, e a de Álvaro Cunhal e seus companheiros, do Pavilhão C, em 1960".
"Finalmente, com a exposição «Por Teu Livre Pensamento», ter-se-á a antevisão dos conteúdos gerais que sobre o fascismo e a resistência integrarão o Museu na sua instalação definitiva", afirmou. "(...) é chegada a hora de se erguer um monumento nacional, num local público e digno, em honra da luta pela liberdade, em memória dos muitos milhares que passaram pelas cadeias fascistas, dos que foram assassinados, dos que lutaram ou morreram na Guerra de Espanha, na Resistência francesa, nos campos de concentração nazis. Portugueses que, tal como em Portugal, ao lutarem contra o fascismo noutros países, lutaram pela nossa liberdade e resgataram o nome de Portugal da ignomínia fascista. Um objectivo que, a concretizar-se, seria uma muito boa forma de comemorar o 50.º aniversário do 25 de Abril", sugeriu Domingos Abrantes dirigindo-se à ministra da Cultura.
Domingos Abrantes fez uma pequena síntese da luta "de milhares de democratas contra a ideia de fazer desaparecer este símbolo da repressão e da luta de resistência que é a cadeia do Forte de Peniche, quando já tínhamos visto desaparecer, um após outro, vários desses símbolos".
Lembrou iniciativas de ex-presos e de outros democratas com o envolvimento da URAP como o abaixo-assinado dirigido à Assembleia da República e a concentração em Peniche, em Outubro de 2016, destinados a exigir do governo que a Fortaleza saísse do programa Revive que a transformaria numa pousada, e recordou "Outubro de 1976 quando foi promulgado um Decreto-lei do I Governo Constitucional que determinava a criação, na dependência do Conselho de Ministros, do Museu da República e da Resistência a ser instalado no Forte de Peniche".
"Um museu, dizia-se igualmente no Decreto-lei, «que devia ser um libelo contra os opressores, um local de homenagem à memória dos que se sacrificaram pela liberdade» e para que os vindouros não esqueçam que nada se conquista sem luta. Este é o museu pelo qual lutámos (...) decorridos quarenta e três anos e existido 20 governos até aqui chegar".
A festa terminou com actuações musicais. Entre outras coisas, Gisela João cantou o "Fado de Peniche - Abandono"; Luísa Ortigoso declamou "Aos mortos vivos do Tarrafal", o poema de Ary dos Santos feito quando da trasladação dos restos mortais dos 32 resistentes no Tarrafal, e cantou "Utopia", letra e música de Zeca Afonso; e Fernando Tordo cantou "Tourada". Actuaram igualmente grupos do Barreiro e de Pias com o cante alentejano; e ainda o Coro Lopes Graça.
Na tarde do dia 25 de Abril, o primeiro-ministro, António Costa, por motivo de calendário, tinha já procedido à cerimónia oficial da inauguração do Memorial e da primeira fase do Museu.
(fotos de Paulo Oliveira)