O resistente antifascista Edmundo Pedro morreu hoje em Lisboa aos 99 anos. Com o seu desaparecimento evocam-se também todos os homens e mulheres que foram presos nas cadeias fascistas, os deportados para o campo de concentração do Tarrafal, os que lutaram contra o fascismo, pela liberdade e democracia. Era o último tarrafalista vivo.
Edmundo Pedro, filho de Gabriel Pedro, um histórico da resistência antifascista em Portugal, nasceu a 8 de Novembro de 1918, em Alcochete. Aderiu à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas em 1931, sendo preso no ano seguinte, com apenas 15 anos de idade, por participar na preparação de uma greve nas oficinas do Arsenal do Alfeite.
Libertado um ano depois, voltou à acção política, junto das escolas industriais da altura, sendo preso novamente em 1936. Esteve nas prisões do Aljube, Peniche e Caxias antes de ser enviado para o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, juntamente com o pai. Ali esteve preso durante quase dez anos, sendo o mais jovem prisioneiro político do campo. Foi libertado em 1946.
Em 2007, numa visita ao Campo de Concentração do Tarrafal, contou a jornalistas a sua fuga abortada da ilha com o pai e mais três companheiros.
Edmundo Pedro referiu o castigo de 70 dias na "frigideira" que se seguiu, uma construção sem janelas onde os presos quase "fritavam". "Chegava aos 50 graus", recordou, como recordou que estiveram três dias sem beber e que quando lhe deram um balde de água também não puderam matar a sede "porque a língua tinha inchado de tal maneira que ocupava a boca toda".
Lembrou a tentativa de suicídio do pai, as mortes frequentes de presos (assistiu a 32 óbitos) e mostrou o local dos ganchos onde eram atados os presos para serem chicoteados. Descreveu a morte de Bento Gonçalves "debaixo de uma árvore". "Tenho uma recordação muito viva e trágica: foi a morte da minha grande referência ainda hoje, um grande amigo".
Saiu do Partido Comunista por ter estado na organização de uma fuga não autorizada pelo partido, mas continuou a lutar contra o regime fascista e empenhou-se activamente, em 1958, na campanha presidencial do General Humberto Delgado, e no assalto ao quartel militar de Beja, em 1962, sendo preso por mais três anos. Em 1973 adere ao Partido Socialista. Após a Revolução do 25 de Abril foi eleito deputado à Assembleia da República na I, III e V Legislaturas.
Como escreveria em 2010 na sua Autobiografia "ninguém na minha família escapou à repressão salazarista. O meu pai estreou comigo o Campo de Concentração do Tarrafal. Esteve ali, tal como eu, cerca de nove anos. Foi, reconhecidamente, o mais perseguido de todos os presos daquele presídio de má memória. É considerado o mártir do Tarrafal. Morreu no exílio, em França, dois anos antes do 25 de Abril. A minha mãe esteve detida durante longo tempo por ser militante do PCP. A minha irmã Gabriela, que fugira de Portugal para evitar ser detida pela sua actividade no âmbito do movimento estudantil, morreu em Paris, aos vinte anos, na emigração política. Um irmão meu, o João Ervedoso, foi assassinado no âmbito de uma manifestação estudantil, por um provocador ao serviço da polícia política, quando tinha acabado de completar catorze anos. O meu irmão Germano, o mais novo dos três, entretanto falecido, esteve detido durante três anos por envolvimento na preparação da tentativa insurreccional de Beja. A minha própria mulher, para não fugir à sina da família, também experimentou os cárceres da polícia política".
A URAP – União dos Resistentes Antifascistas Portugueses lamenta profundamente a morte desta figura da resistência e apresenta à família as sentidas condolências.