"Um democrata não morre, quando sucumbe transmite o facho e perdura nele", disse o médico, escritor neo-realista e antifascista Mário de Sacramento, que hoje completaria 100 anos, e a quem a URAP presta homenagem pela sua vida dedicada ao combate ao fascismo, que levou à instauração da democracia em Portugal.
Mário Emílio de Morais Sacramento nasceu em Ílhavo a 7 de Julho de 1920, e morreu no Porto a 27 de Março de 1969, vítima de AVC, com apenas 48 anos de idade, mas uma vida cheia.
Como médico – estudou em Coimbra, Porto e Lisboa, onde se licenciou -, tirou a especialidade de gastrenterologia em Paris, e exerceu a profissão em Aveiro.
Como escritor, colaborou em diversos jornais, apesar dos cortes da censura que sofriam os seus textos, como em O Diabo, o Sol Nascente, Vértice, Diário de Lisboa e Mundo Literário, e publicou diversos ensaios sobre a obra de escritores como Eça de Queiroz, Moniz Barreto, Cesário Verde, Fernando Namora e Fernando Pessoa, para além de outras obras.
Como democrata, militou no MUD Juvenil, no Partido Comunista Português, e em movimentos unitários como o Movimento de Unidade Democrática. Foi o principal obreiro dos dois primeiros Congressos de Aveiro – secretário-geral da comissão promotora do I Congresso Republicano, que se reuniu em Aveiro em 1957; e um dos principais organizadores do II Congresso Republicano, embora tenha morrido pouco antes da sua realização em 1969.
Mário Sacramento foi quatro vezes detido pela PIDE, a primeira das quais em 1938, quando era membro da associação de estudantes do Liceu de Aveiro, e a última em 1962. Todos os pretextos serviam: ou integrava organizações estudantis; ou por ter assinado uma carta dirigida a Salazar, de solidariedade com os presos políticos em greve da fome, na Fortaleza de Peniche (preso dez meses em 1952).
Três anos depois, numa manhã de 1955, uma brigada da PIDE entrou de roldão em sua casa, invadiu o quarto do casal, prendeu com brutalidade Mário Sacramento e infligiu humilhações a sua mulher, a professora Cecília Sacramento, que a levaram, grávida de oito meses, a que perdesse uma filha. Em 1962, mais uns meses, juntamente com outros 14 democratas de Aveiro e de concelhos vizinhos.
Para o seu grande amigo Jorge Sarabando, "Mário pertencia a uma geração admirável, a de Álvaro Seiça Neves, Armando Seabra, João Sarabando, José Gouveia, Manuel da Costa e Melo, e outros democratas, gente generosa, solidária, de recto carácter, corajosa, inquieta, que não se acomodava, não se resignava, acolhia os mais novos, acarinhava os mais velhos, ajudava os mais frágeis, socorria os presos políticos, solidarizava-se com trabalhadores e estudantes em luta, procurava enganar a censura para chegar mais longe, produzia cultura, disputava até ao limite as eleições fraudulentas, enfrentava a PIDE, lutava palmo a palmo pela liberdade, sempre buscando no Povo o motivo, a causa, a razão".
"Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!", lê-se numa carta, escrita em Abril de 1967, deixada por Mário Sacramento. Uma frase cheia de actualidade quando 46 anos depois do 25 de Abril de 1974 e 75 anos após a vitória sobre o nazi-fascismo, Portugal e inúmeros países do mundo sofrem as consequências de um mundo dominado pelo capitalismo e baseado na exploração do homem pelo homem.
OBRAS: A Criança nas Relações com o Adulto (1943) ; Retrato de Eça de Queirós (1944); Eça de Queirós - Uma estética da Ironia (1945); Fernando Pessoa, Poeta da Hora Absurda (1959); Lírica e Dialéctica em Cesário Verde (1957) ; Ensaios de Domingo - I (1959) ; Fernando Namora, a obra e o Homem (1967) ; Há uma Estética Neo-Realista? (1968); O 31 de Janeiro (1969). EDIÇÕES PÓSTUMAS de artigos: Frátria, Diálogo com os Católicos (ou talvez não) (1970) ; Carta-Testamento (1973) ; Ensaios de Domingo - II (1974); Ensaios de Domingo - III (1990, artigos sobre escritores na maioria perseguidos. Escreveu ainda Contos enviados de Caxias aos filhos, em 1953 e 1955, sendo o mais conhecido O Ápis; a peça de teatro Na Ante-Câmara de Eça de Queirós (Livro do Centenário de Eça de Queirós, 1945); Teatro Anatómico (1959); um Diário (1975), no qual narra as suas vicissitudes e as da sua geração que denominava "lost generation".