Intervenção de Celestina Leão na homenagem a José Barata por ocasião do seu 97º aniversário
31 de Agosto de 2013, Clube Estefânia
Caros amigos e associados
A URAP (União de Resistentes Antifascistas Portugueses ), tem o honroso prazer de prestar esta singela, mas muito sentida, homenagem ao querido amigo José Barata, última vítima sobrevivente da Revolta dos Marinheiros em 1936, que resistiu ao tenebroso fascismo salazarista, na "nazística" prisão do TARRAFAL e outras "residências" prisionais, sem até hoje abdicar, dos valores morais e políticos que o nortearam.
Para melhor se compreender a grandeza desta postura, passamos a uma curta síntese dos factos históricos nacionais que antecederam a criação daquele sinistro Campo de Concentração em 1937 (erigido pelos próprios presos), seguida de alguns depoimentos que o nosso homenageado prestou em entrevista, formulada a 31 de Março de 2010.
Logo no começo da ditadura fascista, que se seguiu ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, surgiram no país importantes lutas sociais e políticas.
- A primeira revolta armada aconteceu em 1927, apoiada por milhares de populares, brutalmente reprimidos provocando centenas de mortos, feridos e deportados.
- Seguiu-se a revolta do Batalhão de Caçadores 7, em 1928.
-Três anos mais tarde explode uma revolta na Madeira que se manteve 25 dias, enfrentando o Governo.
- Seguem-se as revoltas dos deportados políticos na Ilha Terceira, em S. Tomé, Cabo Verde e na Guiné.
Entretanto, a ditadura do Estado português desenvolve-se à volta do modelo de Mussolini, e, posteriormente do nazismo de Hitler. As lutas populares avolumam-se organizadamente contra aquela concepção de «Estado forte», que se concretizava em: repressão, abolição de partidos, eliminação de sindicatos livres, imposição da censura falada ou escrita, etc.,
Assim, em 1934, contra a fascização dos sindicatos, destacou-se a Revolta dos trabalhadores da Marinha Grande, ocupando a Vila e sofrendo a intervenção da GNR que prendeu dezenas de manifestantes.
-No ano de 1935, os funcionários públicos passaram a ser obrigados a assinar uma declaração anticomunista para poderem trabalhar. Os milhares que recusaram aceitar tal medida, foram demitidos.
- Em 1936 revoltaram-se os marinheiros dos navios: Dão, Afonso de Albuquerque e Bartolomeu Dias, em que o nosso homenageado José Barata participou.
Este nobilitado participante declarou ter ficado preso a 8 de Setembro daquele ano, com 20 anos, passando a "residir" no Tarrafal até aos 34 anos. Foi transferido posteriormente para as prisões: Penitenciária de Lisboa, Peniche e Limoeiro.
Afirmou ainda que aquela Revolta «tinha por fim lutar contra o Governo instituído e o regime estabelecido, mas, sobretudo porque havia uma pressão muito grande junto das praças da Armada e da sua organização revolucionária que era a ORA, motivo porque nessa altura muitos camaradas tinham sido presos. E, como nós já estávamos enraivecidos (desculpe o termo) à muito tempo, aquilo brotou quase espontaneamente, com a raiva que nós tínhamos à situação que estávamos a viver – porque éramos humilhados, éramos injustiçados, o nosso vencimento era muito baixo, não podíamos casar sem meter um requerimento para o poder fazer, não podíamos andar na rua, só fardados; não podíamos andar à paisana, senão éramos castigados! E, veja a violência, não podíamos entrar num café da Baixa fardados! Era-nos recusada a entrada. (...) Quer dizer, nós servíamos com uma farda, a Pátria, como se dizia, e era verdade; nós até teríamos que morrer se fosse preciso, mas para gozar o prazer de uma chávena de café, não nos era autorizado porque isso ia sujar, entre comas, o ambiente dos cafés da Baixa!».
Quando lhe foi perguntado se na altura, a Revolta dos Marinhreiros, tinha sido apenas o culminar do estado de espírito deles, ou se tinha havido também outros factores em Portugal, que em conjunto tivessem levado a que a Revolta tivesse acontecido, o nosso homenageado precisou: « Foi de facto uma mescla, uma mistura da situação que já vinha de antemão. O seu nascimento na Organização da Armada, foi antes da Revolta uns quatro ou cinco anos. A Organização de Revolucionários da Armada (ORA), tinha por fim fazer o levantamento dos nossos problemas e fazê-lo chegar até nós, conscencializar-nos da situação, e, sobretudo motivar-nos para lutarmos pelos nossos direitos que tinhamos como seres humanos e como praças.».
Acrescentou mais adiante que: «Na altura da Revolta, vivia-se um ambiente muito semelhante ao de hoje», afirmou. «O desemprego era enorme e um jovem com estudos tinha uma vida muito incerta. Basta dizer que uma vez, para umas seis vagas para a Armada, apresentaram-se centenas de jovens. E jovens que já tinham os seus cursos como hoje. Não eram iguais, mas semelhantes e não tinham emprego também. Concorriam à Armada porque era um meio de emprego de poderem viver. Cheios de necessidades, mas iam vivendo com algum dinheiro ganho».
Referiu ainda, que: «naquela situação, a Organização Revolucionária da Armada, através do "Marinheiro Vermelho", que era o seu jornal, expunha os problemas concretos que existiam nas nossas vidas e indicava que nós devíamos ter mais direitos; que éramos seres humanos e com responsabilidades muito grandes. Tínhamos, portanto, que ter direitos e uma vida em conformidade com essas exigências. Logo, havia direitos a defender. Nessa base, com uma consciencialização política muito grande, eu digo por mim próprio, que não a tinha; mas tinha abertura, tinha uma consciência que foi depois ainda mais acentuada, quanto à situação que me envolvia. A Revolta deu-se justamente com este ambiente já criado. Mas não era aconselhável fazê-la. No navio em que eu estava, que era o Bartolomeu Dias, a gente às vezes lia o Marinheiro Vermelho, na coberta. E, nele se lia que não podia, não devia ser feita então e ali, que era uma inconsciência e uma falta de experiência revolucionária ».
José Barata salientou também que: «Justamente, a Revolta dos Marinheiros surgiu como uma maneira espontânea, digamos, de resposta, porque tinham sido presos então, muitos camaradas que tinham lido, por exemplo, a propaganda de Espanha que vinha nessa altura. Pronto, então fomos a Espanha. Eu não fui, mas foram lá navios. E então havia esta situação: nos portos que os fascistas de Franco ocupavam, nós podíamos sair. Mas nos portos que eram dominados pelos republicanos ou democratas espanhóis, nós não podíamos sair, desembarcar, digamos. Contudo, a consciência era de tal maneira que as praças resolveram: «não saímos em nenhum». (...). «Quando apareceu o oficial a perguntar se alguém queria saír, a resposta foi a mesma, ninguém saíu, apesar de vários marinheiros, não tantos como eles desejariam, já o terem feito antes de ter chegado o oficial, porque havia bufos também na Marinha. Então foram assinalados vários camaradas desses. Foram expulsos e aguns presos pela PIDE, quando o navio chegou a Portugal. Isso deu um estado ainda mais revoltoso.». (...).
Contudo, este digno resistente antifascista precisou: «Mas, não era a opinião do Partido Comunista Português! Porque a ORA era uma organização militar que estava ligada ao Partido Comunista Português, que aconselhara os camaradas a que não fizessem a Revolta, porque não havia condições para saírem vitoriosos da situação. Mas o estado de revolta era tanto que, se não fosse naquela altura era noutra. E, se calhar, também numa altura em que não era a mais indicada, visto que o fascismo naquele período tinha criado um poder imenso que era invencível para as forças que nós possuíamos. Então, foi isso que aconteceu, as condições a que estávamos sujeitos, e, sobretudo o que nos feriu mais directamente, foi a prisão dos nossos camaradas. Era um regime que não servia para nós, nem para o nosso povo, (...). Portanto a Revolta dá-se com esse sentido, apenas e só, - contra o governo e a situação em que nós estávamos. Contudo, o fascismo aproveitou-se da situação, para, na base da sua acção anti-comunista, divulgar que nós queríamos roubar, tomar conta dos navios e levá-los para Espanha para os entregar aos republicanos. Mentira! (...). Hoje existe um livro, pelo qual eu sempre lutei que aparecesse e, aconteceu. Não sei se foi milagre, eu não acredito em milagres, mas a verdade é que o livro apareceu. É "A Revolta dos Marinheiros de 36". Esse livro feito por uma jovem jornalista, está um livro muito correcto, que põe o problema no seu devido lugar (...)»
Mais adiante, o nosso preiteado frizou que já lhe têm perguntado se está arrespendido do que fez, ao que ele tem respondido: «Não, não estou. Porque o problema não está no meu arrependimento, o problema está em, se eu fiz aquilo por um motivo justo ou injusto. E, a verdade é que, o motivo que me levou a fazer a revolta era um motivo mais que justo; tinha razão, mais que razão para o querer fazer. Portanto, nesse aspecto não estou nada arrependido e só desejaria que este meu comportamento e dos meus companheiros, os meus camaradas, fosse compreendido neste aspecto: nós sentimos a necessidade de lutar, estava cá entranhado dentro de nós, porque não havia o direito de sermos subjugados como éramos até aí. Portanto não estou arrependido nem estou orgulhoso, mas é um exemplo (...) a seguir. Em resumo, foi uma Revolta, perpetrada ùnicamente pelas praças - não houve sargentos, não houve oficiais, não houve nada e nós conseguimos pôr dois navios em movimento – um navio de 1ª classe e um contratorpedeiro. Portanto foram esses navios que nós conseguimos pôr a trabalhar e a navegar – íamos a caminho da Barra, intimar o Governo a tornar a reintegrar os nossos camaradas expulsos. O almirante Rosa Coutinho numa das homenagens que nos foram prestadas, dizia e reflectiu: eu como oficial da Marinha, e sabendo que efectivamente sob o aspecto técnico e profissional, um navio não é fácil de pôr a navegar, pergunto como é que aquelas praças, como é que aqueles homens conseguiram pôr um navio daqueles a navegar? (...). A Revolta foi muitos anos mostrada, pelo menos enquanto o regime fascista existiu, como uma nódoa negra na Pátria, no patriotismo. Pois é, mas chegou uma altura em que o próprio Presidente da República, o Dr. Jorge Sampaio, resolveu agraciar os sobreviventes dessa Revolta, com a Ordem da República, a Ordem da Liberdade e (...) o grau de Comendador (...).»
REFLECTINDO:
Pelos mesmos motivos, mas por uma inversão de valores, o fascismo português: prendeu, torturou e até matou, cidadãos que em regime democrático foram agraciados e condecorados.
- Contudo, no «longo e duro combate contra a ditadura, tomaram parte incontáveis resistentes antifascistas, muitos dos quais não tiveram a alegria de viver num Portugal livre, pois ficaram pelo caminho, abatidos na rua, assassinados nas prisões ou mortos no exílio.», lê-se no preâmbulo dos Estatutos da Associação União de Resistentes Antifascistas Portugueses.
- Com este nobre exemplo, se materializou uma das muitas lutas do nosso povo e os das colónias contra o fascismo português, que culminaram com o 25 de Abril de 1974.
- Deste modo, e, de acordo com o artº 2º, alínea b) dos Estatutos, está a URAP, a:
«Pugnar pelo reconhecimento público dos direitos e da autoridade moral dos combatentes da resistência antifascista.».
- Mas, hoje a situação política e social que o povo português vive, exige a participação combativa e resistente de todos os patriotas.
Então, que nenhum dos presentes se sinta à margem dos esforços necessários à dinamização do maior número possível de cidadãos, para as lutas democráticas e nacionais que se antevêem e de que o país muito vai carecer.
- A hora é de UNIÃO.
- É de muita UNIÃO que se trata.