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Intervenção de Américo Leal na inauguração da exposição
"O 18 de Janeiro de 1943 em Portugal e em Sines"
A todos o meu agradecimento por me ser proporcionado que como testemunho vivo vos exponha, o que conhecemos do movimento operário em Sines pelo 18 de Janeiro de 1934.
Gostaria de em primeiro lugar vos afirmar que, o conhecimento que tive do acontecimento em Sines, não se deve tanto ao facto dos meus 12 anos de idade de então, mas principalmente a factores pouco comuns para a minha idade que se devem à convivência a partir de meu pai, com quase todos os trabalhadores que dirigiram, organizaram e intervieram no Movimento. E ainda ao facto (aliás mencionado no livro "Quem Somos"), da confiança dessas pessoas em falarem na minha presença, como acompanhante regular de meu pai, facto que atribuo à minha postura de grande atenção que sempre manifestei, permanecendo calado às conversas de um grupo restrito de trabalhadores de vanguarda, que à noite após a sua jornada de trabalho, se juntavam no estabelecimento do conhecido e prestigiado antifascista, o senhor JOÃO BARBOSA. Só assim se explica o ter ouvido, inclusivamente, a leitura da primeira carta que TOMÁS GAZIL, membro da Comissão de Luta preso, enviou da prisão em Lisboa à sua família.
Aliado a isto, mais tarde já como membro do organismo de Direcção Regional do Alentejo Litoral e responsável pelo acompanhamento da organização do Partido Comunista Português em Sines, ter trabalhado com ANTÓNIO BOTELHO, membro do organismo de Direcção da classe Corticeira e com JOSÉ MARIA FERREIRA do Comité Local de Sines.
Faço estas anotações, por conhecer que em dois factos históricos da luta do povo de Sines, concretamente passados no 18 de Janeiro de 1934 e na luta por aumento no racionamento em 1946, em que tive participação activa, de dois documentos que vieram a público em que a fonte a que os autores foram beber, conter afirmações que não condizem com a realidade.
Isto quer dizer que afirmações, como a relacionada com a Comissão de Luta na paralisação geral de Sines no 18 de Janeiro, haver nomes que foram omitidos, enquanto a outros lhes foi atribuído um papel que não tiveram. Também a esses eu conheci de perto.
Queridos Amigos
Continuo a referir-me ao 18 de Janeiro em Sines, seguindo o relato apresentado em 1989 e confirmado na comemoração do 55º aniversário
do acontecimento na sessão realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal de Sines, com a presença de combatentes que em parte conheceram o acontecimento.
Assim, do que se conhece, tudo parece comprovar que na véspera do 18 de Janeiro, por estafeta ou carta (referência feita por activistas, sem contudo precisarem qual das duas coisas) chegada na carreira da noite, a confirmar que a classe operária paralisaria no dia seguinte e que se tratava (como então se afirmava em Sines) de um levantamento nacional e em que, nos centros operários mais fortes, os trabalhadores deveriam ocupar os postos das forças da GNR que aí existissem.
Isto explica porque somente no próprio dia 18 de Janeiro, às 8 horas da manhã, hora de entrar ao trabalho, trabalhadores activistas ligados à Comissão de Luta se tenham apresentado ao portão das fábricas com a palavra de ordem para largar o trabalho e concentrar de seguida na "Praça".
E foi assim que aconteceu na fábrica de cortiça Monteiro & Fernandes, onde eu estava trabalhando. O meu pai foi chamado ao portão, onde outro elemento lhe colocou a tarefa de ir imediatamente às restantes fábricas da área, com igual apelo, tarefa que o meu pai cumpriu correndo e que eu tive conhecimento de ter acontecido o mesmo nas restantes áreas de localização das fábricas de cortiça, de obras da construção civil e de oficinas.
Cerca das 9 horas da manhã, a paralisação laboral na vila era completa e, pouco depois, todo o comércio tinha encerrado, respondendo ao apelo feito directamente pela Comissão de Luta, acompanhada de muitos trabalhadores a percorrer as ruas da vila.
Em 1934, três classes profissionais dominavam a vida económica e política da vila de Sines: os Corticeiros, a mais numerosa, a mais organizada e activa na luta político/reivindicativa; os trabalhadores ligados à actividade Marítima, compreendendo os pescadores, os descarregadores de mar e terra, os estivadores e alguns soldadores manuais na indústria de conservas de peixe que ainda tinham resistido à entrada em acção das cravadoras mecânicas na indústria de conserva (situação que na altura ainda se manteria na Fábrica da Praia) e a Construção Civil, em número muito pequeno.
Sabe-se, por informação de corticeiros ligados à Comissão de Luta que esta terá abordado a indicação recebida da tomada do posto da GNR, operação posta de parte pelo comportamento da GNR, ao meter-se dentro do posto, situado no primeiro andar da torre do Castelo.
Tudo leva a crer que a GNR, comandada por um primeiro cabo, ao ter conhecimento da paralisação e devido à posição fortificada do posto, situado dentro de castelo, preferisse remeter-se a ficar retido no posto, com a porta do Castelo fechada, a correr o risco de vir para a rua, ficando vulnerável no meio da multidão em luta.
Havendo presença de trabalhadores desde os Penedos até ao Rossio, a força da concentração situava-se na "Praça" (Praça Tomás Ribeiro) e junto ao Castelo, onde permaneceu até à chegada da carreira ao fim do dia, para obter notícias sobre o acontecimento no País.
Com a chegada da carreira, e com ela a confirmação de que a paralisação não tinha atingido o nível de participação nacional previsto e muito menos o seu objectivo político, os trabalhadores de Sines, compreenderam que a conquista das reivindicações apresentadas e a cedência da ditadura de Salazar era bem mais difícil do que poucas horas atrás muitos tinham pensado e, da parte da Comissão de Luta, ficou desde logo a certeza de que a repressão não se faria esperar.
De facto, no dia seguinte, em que foi normalizado o regresso ao trabalho, vários elementos da Comissão de Luta tomaram a iniciativa de tomar medidas de defesa não aparecendo em público. Porém, TOMÁS GAZIL e PEDRO CHAPA foram presos e enviados para uma prisão em Lisboa onde foram submetidos a interrogatório pela PVDE, acabando por serem postos em liberdade, creio que passados alguns meses.
A paralisação total da actividade económica na área da vila durante todo o dia, e o facto do Movimento de 18 de Janeiro não ter atingido o seu objectivo, criou nos trabalhadores activistas, o receio de repressão policial, de que resultou, como medida de precaução, a saída da terra de alguns trabalhadores para trabalhar fora de Sines.
Creio que por estratégia ou receio, o facto da GNR se ter mantido no seu aquartelamento, retirou a esta, a possibilidade de localização dos principais activistas do Movimento, permitindo aos elementos da Comissão de Luta presos, uma maior possibilidade de defesa quanto ao seu envolvimento na luta.
Estou em condições de vos afirmar que o 18 de Janeiro de 1934 envolveu, na sua acção em Sines, duas forças políticas na concretização da paralisação e concentração. Refiro-me aos anarco-sindicalistas e aos comunistas, estes em número largamente superior, nos activistas corticeiros, a classe mais numerosa, a mais activa e de maior influência mobilizadora na população laboriosa de Sines.
Mas, também se verificou uma solidariedade política da parte de figuras tidas como republicanas de enorme prestígio na terra, quer na adesão do comércio no seu encerramento, quer em pôr água na fervura junto das autoridades locais, quanto aos "cabecilhas" da mobilização.
O 18 de Janeiro em Sines teve a expressão que se conhece, porque a indústria corticeira teve aqui uma forte concentração motivada por Sines ser durante décadas o porto de embarque de cortiça para exportação, por a classe corticeira estar organizada e ter uma larga experiência de luta à volta de reivindicações salariais que vinha do início do século XX e que veio a marcar, definitivamente, uma viragem da influência anarco-sindicalista para o lado dos comunistas, influência reforçada precisamente a partir da sua reorganização em 1940/41.
A Comissão de Luta era composta por:
ALBERICO - operário corticeiro
EMÍLIO FERREIRA - operário padeiro
MANUEL ESTOLANO - operário da construção civil
PEDRO CHAPA - descarregador de mar e terra
TOMÁS GAZIL - barbeiro
No número de quadros intermédios que actuaram em ligação com a Comissão de Luta, que foram de facto os que pela sua acção directa e grande prestígio na classe, levaram ao encerramento das fábricas e à concentração no centro da vila, conhecem-se os nomes dos corticeiros ANTÓNIO BOTELHO, AUGUSTO RATO, JOSÉ LÁZARO, VASCO LENTES, ANTÓNIO VILHENA, e FRANCISCO BEJA e JOSÉ PIO da construção civil.
Nos republicanos que se solidarizaram no 18 de Janeiro, como se solidarizaram e deram a sua solidariedade nas grandes lutas, como nas paralisações da actividade económica seguida de concentração na rua a 21 de Junho e a 17 de Julho de 1926 contra a nomeação do Administrador do Concelho resultante do recente golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, destacaram-se entre outras, três famílias de comerciantes e pequenos proprietários progressistas, pela sua ligação aos trabalhadores e ao povo: a FAMÍLIA BARBOSA; a FAMÍLIA FERREIRA e a FAMÍLIA GUISADO.
Das empresas de cortiça existentes em 1934, com um total de trabalhadores estimado em mais de quinhentos (500), mas que em épocas de maior laboração se aproximava dos mil (1.000), recordo, pelo nome que eram conhecidas na população:
A Empresa Abel de um só proprietário
A Empresa António Faria e Madrugo (Sociedade)
A Empresa Buknal (Sociedade)
A Empresa Carlos Esteves de um só proprietário
A Empresa Edmundo Prata de um só proprietário
A Empresa Francisco Fernandes (Sociedade Monteiro & Fernandes)
A Empresa Grané de um só proprietário - catalão
A Empresa Herold (Sociedade)
A Empresa José Marreiro de um só proprietário
A Empresa José da Rosa de um só proprietário
A Empresa Manuel Caetano de um só proprietário
A Empresa Paulito & Faria (Sociedade)
A Empresa Wicander (Sociedade)
Queridos Amigos
Numa oportunidade que me é dada para expor, como testemunho vivo, nesta exposição da URAP sobre o 18 de Janeiro de 1934, permitam-me que vos exprima que, embora o Movimento aqui recordado não tivesse atingido o que a classe operária portuguesa e os seus promotores se esforçaram por conseguir; apesar da repressão salazarista e que a um elevado número de trabalhadores da Marinha Grande custou, inclusivamente, anos de prisão na Fortaleza de S. João Batista e mais tarde a deportação para o Tarrafal, o seu exemplo de coragem e combatividade deu os seus frutos, permitindo, entre derrotas e vitórias partir para novos combates. Assim foi na Marinha Grande, em Sines e noutros centros operários do País, como uma escola de aprendizagem que muito nos ajudou, educou e possibilitou chegarmos ao 25 de Abril de 1974.
Américo Leal
Sines, 18 de Janeiro/2008