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A comemoração do 18 de Janeiro de 1934 em Sines, constituiu um acontecimento de elevado significado político.

Com uma exposição documentada sobre a luta da classe operária contra a fascização dos sindicatos, que teve a sua expressão mais elevada com a greve geral na Marinha Grande e noutros pontos do país, entre os quais o centro operário de Sines, iniciou-se a comemoração do seu 74º aniversário que esteve patente no Centro de Artes até ao dia 3 de Março.

Foi inaugurada uma exposição com a presença de várias individualidades entre as quais os presidentes da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia de Sines, elementos da Direcção da URAP, da comissão do Núcleo de Sines da URAP, de trabalhadores e outros democratas de várias gerações interessados em conhecer diversos aspectos ligados aos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934.

Na cerimónia de inauguração da exposição, com 15 painéis, um dos quais sobre o acontecimento em Sines teve, em primeiro lugar, a intervenção do Presidente da Câmara salientando a forte acção repressiva do estado fascista, com o corte das liberdades fundamentais, numa perseguição crescente aos trabalhadores, aos democratas e à liberdade.

Interveio de seguida o sineense Américo Leal, único testemunho vivo presente no acto da inauguração, que apresentou, baseado no relato directo de trabalhadores que intervieram na organização e mobilização da Greve Geral em Sines, pessoas que conheceu e com quem conviveu directamente, envolvendo aspectos de grande riqueza histórica, cujo texto escrito entregou à Câmara Municipal de Sines e à URAP.

A intervenção de fundo, sobre o acontecimento histórico do 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande e outros pontos do país, esteve a cargo do Coordenador da URAP, o conhecido antifascista Aurélio Santos, de que se salienta, entre outras passagens, a chamada de atenção para o período de grande crise social vivido na Europa nos anos 20, em que grandes grupos financeiros da indústria do aço, da energia e do armamento levaram ao poder, na Alemanha o partido nazi, e em Itália o partido fascista de Mussolini.

E é com a inspiração nesta maré reaccionária, que a vida económica e política passou a ser dominada pelo grande capital e que em Portugal surge o golpe militar fascista instaurando a ditadura salazarista, que o parlamento foi dissolvido, que os partidos políticos são proibidos, e que é iniciada a perseguição às organizações sindicais, aos seus dirigentes e aos democratas, num processo de ausência total de liberdades fundamentais, de repressão e de submissão ao grande capital.

Foi contra o Decreto-Lei nº 23050, em que o estado fascista declarou guerra ao movimento sindical, que os trabalhadores da Marinha Grande e de outros centros industriais, incluindo Sines, que os trabalhadores fizeram greve, como protesto contra o decreto que ilegalizava os sindicatos livres e impunha os sindicatos fascistas.

Com a inauguração da exposição em Sines, estamos a prestar homenagem aos antifascistas que, no dia 18 de Janeiro de 1934 se levantaram heroicamente contra o avanço da ditadura salazarista que, como em todas as que se seguiram contra o fascismo e pela democracia, não foi em vão.

Elas foram uma prova do papel de vanguarda dos trabalhadores na luta contra o fascismo e demonstram como, desde os primeiros anos da ditadura, essas lutas foram semeando os cravos que, 40 anos mais tarde, haviam de florir nas "Portas que Abril Abriu", como disse o poeta José Carlos Ary dos Santos.

São essas portas que não deixaremos fechar.

O núcleo de Sines da URAP

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Amigos,

Setenta e dois anos depois da abertura do Campo de Concentração do Tarrafal, estamos aqui, numa iniciativa promovida pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses(URAP) , no Cemitério do Alto de São João, a homenagear os tarrafalistas.

A Liberdade que nos permite estar aqui para exaltar o seu exemplo, foi uma conquista da Revolução de Abril. Muitos jovens, não tendo vivido esse acontecimento ímpar da nossa história, só o conhecem através do que lhes é transmitido e contado.

Garantir, hoje, que os jovens sabem a história recente de Portugal é permitir que no futuro se sabe o que foi o Fascismo em Portugal, as suas práticas e consequências. Sem o conhecimento do que foi a resistência ao Fascismo, não será possível fazer frente à ofensiva do presente.

Na verdade, muitos preocupam-se agora em reescrever a história, afirmando que em Portugal não houve verdadeiramente um regime fascista, por um lado, e escondendo aspectos importantes da Revolução da Abril, por outro.

Abundam pelos gabinetes afirmações de que o regime não oprimia assim tanto, que não esforçaria por mobilizar as massas, nem por ter uma ideologia rígida e única. Quem difunde esta mensagem "esquece-se" propositadamente que Salazar e depois Marcelo Caetano nunca ocultaram a sua ideologia fascista. Salazar gabava o génio político de Mussolini com cujo retracto na própria secretária se fazia fotografar. Mandava os seus ministros, os seus militares, os seus polícias aprender na Itália fascista e na Alemanha fascista. Apoiou e ajudou o golpe fascista de Franco em Espanha. Apoiou e ajudou Hitler e Mussolini na guerra. Neste período, em Portugal, foram suprimidas as liberdades mais elementares, censura à imprensa, reprimida violentamente qualquer oposição. Copiada quase literalmente do fascismo italiano a orgânica corporativa. Polícia política para perseguir, prender, torturar, assassinar com torturas ou a tiro. Partido fascista único(União Nacional), milícia fascista(Legião), organização fascista e paramilitar de juventude (Mocidade Portuguesa).

Na grande operação de branqueamento da ditadura não é utilização de especulações teóricas elaboradas em gabinetes que pode alterar a sua definição como ditadura fascista. Assim foi considerada pelo povo. Assim ficará na história!      

Amigos,

No presente, muitos jovens não sabem o que foi o fascismo. A responsabilidade não é sua, mas dos interessados em esconder os 48 anos negros da nossa história. São muitos os exemplos de como omitir e transmitir de forma deformada a história do nosso país. Um deles são os conteúdos das disciplinas que são transmitidos. No Ensino Secundário, no 12º ano, na disciplina de História, para além da importância relativa dada ao 25 de Abril (5 páginas num total de 600), e à caracterização do fascismo em Portugal (8 num total de 600), em nenhuma parte é referida a existência do campo de concentração do tarrafal e, entre outras questões, identifica-se constantemente o regime como "Estado Novo" e não como fascismo. 

Mas, mais grave do que não transmitir a verdade sobre a nossa história recente é os jovens serem confrontados com práticas que têm muito pouco a ver com Abril e as suas conquistas e se relacionam mais com os tempos que antecederam a revolução. O facto de recentemente dirigentes estudantis terem sido constituídos arguidos, ao abrigo de uma lei feita antes de 1974, por convocarem uma manifestação; de directores de jornais afirmarem que as manifestações de rua são acções antidemocráticas, de os alunos no Ensino Secundário serem constantemente impedidos de realizar Reuniões Gerais de Alunos nas escolas e as suas associações terem inúmeras limitações à sua acção e quando a liberdade de expressão é constantemente abafada, o que está a ser transmitido não são os ideais de abril e da liberdade.

Amigos,   

Os jovens, com uma imensa alegria e confiança no futuro, saúdam os tarrafalistas, enaltecem o seu exemplo. Comprometemo-nos a continuar a lutar por um Portugal mais fraterno e livre de injustiças, faremos o que estiver ao nosso alcance para não esquecer o que foram os crimes do fascismo, crimes esses que têm como seu símbolo, o Campo de Concentração do Tarrafal.

Consideramos que a luta pela defesa da liberdade e da democracia, contra o ascenso das forças que oprimiram o nosso povo durante 48 anos, é também uma luta dos jovens. Neste longo caminho estamos disponíveis para continuar a caminhada, ajudando a construir um futuro pleno de liberdade e justiça social!

25 de Abril Sempre! Fascismo nunca mais!

9 de Fevereiro de 2008
Paulo Marques

 

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Homenagem aos que não se renderam

Estamos aqui para prestar homenagem àqueles que, no Campo de Concentração do Tarrafal, morreram por terem ousado lutar pela liberdade em Portugal numa altura em que a maré negra do fascismo avançava pela Europa com a arrogância de uma força que parecia invencível.

Concebido nos moldes dos campos de concentração que Hitler começava então a criar na Alemanha e depois alargou pela Europa ocupada, foi também um exemplo da sinistra hipocrisia que caracterizou a repressão salazarista.

Montado na Achada Grande do Tarrafal, a zona mais temida pela gente de Cabo Verde, não precisava de ter as sinistras câmaras de gás. Na ilha que o mar guardava melhor que o arame farpado e as armas dos carcereiros, o mosquito foi um executor discreto que espalhava o paludismo. A falta de tratamento e de medicamentos asseguravam a execução, através da morte lenta, com as biliosas que iam ceifando vidas.

Na História de Portugal o Tarrafal ficará como uma das mais brutais e cruéis expressões da repressão terrorista da ditadura fascista de Salazar

O nazi-fascismo foi a expressão da mais grave ameaça que nesses anos pesou sobre a humanidade.

Na Segunda Guerra Mundial não esteve apenas em questão a luta por uma nova repartição do mundo entre as grandes potências.

A guerra, a luta contra o nazi fascismo, foi uma gigantesca luta que abarcou questões fundamentais no plano económico, social e ideológico com repercussões em todo o futuro da sociedade humana.

Aqueles que morreram, sofreram e lutaram no Tarrafal tiveram a coragem de fazer frente a essa maré negra que parecia imparável.

Não se renderam.

Não aceitaram como imbatíveis, inevitáveis, os «ventos da História.

Mesmo quando lançados para o Campo da Morte Lenta.

 

O próprio director do Campo não escondia os objectivos que o Tarrafal visava. «Quem vem para aqui vem para morrer» - afirmava ele para que todos os presos soubessem a que estavam destinados.

Mas não foi só no Tarrafal que actuou a repressão terrorista do fascismo. O Tarrafal não chegava para albergar todos os que se levantavam contra o regime. A ditadura criou toda uma rede carcerária por onde passaram, antes e depois do Tarrafal, milhares de presos políticos: a Fortaleza d S. João Baptista, nos Açores, a cadeia do Aljube, em Lisboa e o Forte de Caxias, o Forte de Peniche, as cadeias da Rua do Heroísmo, junto à sede da PIDE no Porto - para além da sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde a maioria dos presos eram submetidos a dias seguidos de interrogatório e tortura, e onde alguns foram mesmo torturados até à morte.

Está ainda por fazer a exacta estatística de crimes de morte cometidos pela PIDE. Como também os que foram assassinados com a tortura refinada evitando deixar marca. Pelos muitos anos de cárcere ou pela morte lenta no Tarrafal.

No cemitério do Tarrafal ficaram enterrados os corpos de 32 dos prisioneiros políticos portugueses, que ali morreram vítimas dos maus-tratos sofridos.

Só depois do 25 de Abril foi possível trazer de regresso os seus corpos para terra portuguesa.

Em 1978, numa grande homenagem nacional, promovida pelos sobreviventes do Tarrafal, e na qual participaram dezena de milhar de pessoas, os corpos dos prisioneiros que ali morreram foram transladados para este Mausoléu Memorial erigido por subscrição pública no Cemitério do Alto de S. João, actualmente guardado pela URAP como património nacional, e no qual estão inscritos os nomes daqueles que o fascismo salazarista matou no Campo de Concentração do Tarrafal.

Mas nós não estamos aqui somente para prestar homenagem a estes antifascistas que deram a sua vida para que a Liberdade pudesse voltar a florescer na terra portuguesa.

Estamos aqui, também, para reafirmar a nossa decisão de lutar para arrancar as sementes e raízes deixadas em Portugal por meio século de ditadura fascista, a mais longa da Europa.

Ainda hoje se manifestam as marcas do obscurantismo com que ela dominou a cultura portuguesa e do atraso que deixou nas estruturas da nossa sociedade.

É pois com profunda preocupação que nós, resistentes e antifascistas reunidos na URAP, vemos emergir na sociedade portuguesa, 30 anos após a instauração da democracia, inquietantes campanhas de branqueamento da ditadura fascista, dos seus crimes e das suas políticas, tentativas de reabilitação dos seus responsáveis e mentores, a par do apagamento do significado e valores da luta antifascista e da memória daqueles que lutaram para que fosse livre o terreno que hoje pisamos.

Não pode deixar de nos alertar a insidiosa campanha em curso de branqueamento das ditaduras fascistas e falseamento da memória da luta antifascista. Em muitos países da Europa assiste-se ao avanço de forças de direita e também ao crescimento de grupos neo-nazis.

O fascismo não é um fenómeno histórico com referência exclusiva a uma determinada conjuntura. Tem raízes sociais e económicas que se desenvolvem numa sociedade em crise, como resposta desesperada de classes que pretende impor ou manter pela força o seu domínio, subordinando a sociedade aos seus interesses. Foi assim que se preparou e desencadeou o assalto do nazi-fascismo ao poder no século passado.

No mundo de hoje encontramos traços igualmente inquietantes.

As esperanças de futuro andam minadas pelo pesadelo de graves crises sociais e económicas, pela instabilidade, a insegurança laboral, a polarização da pobreza e da riqueza. A crescente desigualdade planetária na distribuição dos recursos e rendimentos, criam angustiantes factores de destabilização e conflitual idade, agravados por uma política de guerras e dominação.

Proclamam-se os «ventos da História» como processo sem possibilidades de resistência humana, reaparecem teorias para uma «nova ordem mundial», martela-se o catecismo neo-liberal como se houvesse um «pensamento único», dogmatiza-se o que é considerado «po­liticamente correcto», anuncia-se «o fim da História», lançam-se campanhas de descrédito contra as conquistas democráticas, sociais e nacionais.

A violência da exploração, a injustiça social, corroem a democracia, retira-lhe apoios sociais, porque a democracia política não é acompanhada por uma justiça social, dando-se prioridade à concentração de lucros e capitais, com as consequências sociais e medidas políticas a que isso conduz. Desacreditam-se instâncias políticas, conceitos ideológicos e valores sociais que estavam credibilizados com a vitória da democracia, deixando as pessoas numa massa mais maleável para a demagogia e a manipulação.

É um terreno onde o fascismo, a sua ideologia, a sua prática de violência, o seu desprezo pelos direitos humanos e pela democracia têm condições para manipular ressentimentos e explorar rancores, revoltas e descontentamentos.

A luta antifascista mantém-se, pois, como necessidade actual da democracia.

A nossa União de Resistentes Antifascistas considera que nela não podem apenas estar empenhados os que viveram e conheceram a ditadura fascista. A participação das novas gerações é essencial.

Nesse sentido, estamos desenvolvendo uma acção para a formação de núcleos de juventude antifascista, integrando-os, a todos os níveis, nas estruturas da nossa União de Antifascistas. A Ana Pato e o Paulo Marques, aqui presentes como membros do Conselho Directivo da URAP, já nasceram depois do 25 de Abril.

A luta antifascista é património que diz respeito a todos os que querem um Portugal de Liberdade, Democracia e justiça social, num mundo de paz, cooperação e respeito pelo ser humano.

Também por isso estamos aqui prestando homenagem a estes antifascistas que deram a vida na luta por essas causas.

Fascismo: nunca mais!

9 de Fevereiro de 2008
Aurélio Santos

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Intervenção de Américo Leal na inauguração da exposição
"O 18 de Janeiro de 1943 em Portugal e em Sines"

 

A todos o meu agradecimento por me ser proporcionado que como testemunho vivo vos exponha, o que conhecemos do movimento operário em Sines pelo 18 de Janeiro de 1934.

Gostaria de em primeiro lugar vos afirmar que, o conhecimento que tive do acontecimento em Sines, não se deve tanto ao facto dos meus 12 anos de idade de então, mas principalmente a factores pouco comuns para a minha idade que se devem à convivência a partir de meu pai, com quase todos os trabalhadores que dirigiram, organizaram e intervieram no Movimento. E ainda ao facto (aliás mencionado no livro "Quem Somos"), da confiança dessas pessoas em falarem na minha presença, como acompanhante regular de meu pai, facto que atribuo à minha postura de grande atenção que sempre manifestei, permanecendo calado às conversas de um grupo restrito de trabalhadores de vanguarda, que à noite após a sua jornada de trabalho, se juntavam no estabelecimento do conhecido e prestigiado antifascista, o senhor JOÃO BARBOSA. Só assim se explica o ter ouvido, inclusivamente, a leitura da primeira carta que TOMÁS GAZIL, membro da Comissão de Luta preso, enviou da prisão em Lisboa à sua família.

Aliado a isto, mais tarde já como membro do organismo de Direcção Regional do Alentejo Litoral e responsável pelo acompanhamento da organização do Partido Comunista Português em Sines, ter trabalhado com ANTÓNIO BOTELHO, membro do organismo de Direcção da classe Corticeira e com JOSÉ MARIA FERREIRA do Comité Local de Sines.

Faço estas anotações, por conhecer que em dois factos históricos da luta do povo de Sines, concretamente passados no 18 de Janeiro de 1934 e na luta por aumento no racionamento em 1946, em que tive participação activa, de dois documentos que vieram a público em que a fonte a que os autores foram beber, conter afirmações que não condizem com a realidade.

Isto quer dizer que afirmações, como a relacionada com a Comissão de Luta na paralisação geral de Sines no 18 de Janeiro, haver nomes que foram omitidos, enquanto a outros lhes foi atribuído um papel que não tiveram. Também a esses eu conheci de perto.

Queridos Amigos

Continuo a referir-me ao 18 de Janeiro em Sines, seguindo o relato apresentado em 1989 e confirmado na comemoração do 55º aniversário

do acontecimento na sessão realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal de Sines, com a presença de combatentes que em parte conheceram o acontecimento.

Assim, do que se conhece, tudo parece comprovar que na véspera do 18 de Janeiro, por estafeta ou carta (referência feita por activistas, sem contudo precisarem qual das duas coisas) chegada na carreira da noite, a confirmar que a classe operária paralisaria no dia seguinte e que se tratava (como então se afirmava em Sines) de um levantamento nacional e em que, nos centros operários mais fortes, os trabalhadores deveriam ocupar os postos das forças da GNR que aí existissem.

Isto explica porque somente no próprio dia 18 de Janeiro, às 8 horas da manhã, hora de entrar ao trabalho, trabalhadores activistas ligados à Comissão de Luta se tenham apresentado ao portão das fábricas com a palavra de ordem para largar o trabalho e concentrar de seguida na "Praça".

E foi assim que aconteceu na fábrica de cortiça Monteiro & Fernandes, onde eu estava trabalhando. O meu pai foi chamado ao portão, onde outro elemento lhe colocou a tarefa de ir imediatamente às restantes fábricas da área, com igual apelo, tarefa que o meu pai cumpriu correndo e que eu tive conhecimento de ter acontecido o mesmo nas restantes áreas de localização das fábricas de cortiça, de obras da construção civil e de oficinas.

Cerca das 9 horas da manhã, a paralisação laboral na vila era completa e, pouco depois, todo o comércio tinha encerrado, respondendo ao apelo feito directamente pela Comissão de Luta, acompanhada de muitos trabalhadores a percorrer as ruas da vila.

Em 1934, três classes profissionais dominavam a vida económica e política da vila de Sines: os Corticeiros, a mais numerosa, a mais organizada e activa na luta político/reivindicativa; os trabalhadores ligados à actividade Marítima, compreendendo os pescadores, os descarregadores de mar e terra, os estivadores e alguns soldadores manuais na indústria de conservas de peixe que ainda tinham resistido à entrada em acção das cravadoras mecânicas na indústria de conserva (situação que na altura ainda se manteria na Fábrica da Praia) e a Construção Civil, em número muito pequeno.

Sabe-se, por informação de corticeiros ligados à Comissão de Luta que esta terá abordado a indicação recebida da tomada do posto da GNR, operação posta de parte pelo comportamento da GNR, ao meter-se dentro do posto, situado no primeiro andar da torre do Castelo.

Tudo leva a crer que a GNR, comandada por um primeiro cabo, ao ter conhecimento da paralisação e devido à posição fortificada do posto, situado dentro de castelo, preferisse remeter-se a ficar retido no posto, com a porta do Castelo fechada, a correr o risco de vir para a rua, ficando vulnerável no meio da multidão em luta.

Havendo presença de trabalhadores desde os Penedos até ao Rossio, a força da concentração situava-se na "Praça" (Praça Tomás Ribeiro) e junto ao Castelo, onde permaneceu até à chegada da carreira ao fim do dia, para obter notícias sobre o acontecimento no País.

Com a chegada da carreira, e com ela a confirmação de que a paralisação não tinha atingido o nível de participação nacional previsto e muito menos o seu objectivo político, os trabalhadores de Sines, compreenderam que a conquista das reivindicações apresentadas e a cedência da ditadura de Salazar era bem mais difícil do que poucas horas atrás muitos tinham pensado e, da parte da Comissão de Luta, ficou desde logo a certeza de que a repressão não se faria esperar.

De facto, no dia seguinte, em que foi normalizado o regresso ao trabalho, vários elementos da Comissão de Luta tomaram a iniciativa de tomar medidas de defesa não aparecendo em público. Porém, TOMÁS GAZIL e PEDRO CHAPA foram presos e enviados para uma prisão em Lisboa onde foram submetidos a interrogatório pela PVDE, acabando por serem postos em liberdade, creio que passados alguns meses.

A paralisação total da actividade económica na área da vila durante todo o dia, e o facto do Movimento de 18 de Janeiro não ter atingido o seu objectivo, criou nos trabalhadores activistas, o receio de repressão policial, de que resultou, como medida de precaução, a saída da terra de alguns trabalhadores para trabalhar fora de Sines.

Creio que por estratégia ou receio, o facto da GNR se ter mantido no seu aquartelamento, retirou a esta, a possibilidade de localização dos principais activistas do Movimento, permitindo aos elementos da Comissão de Luta presos, uma maior possibilidade de defesa quanto ao seu envolvimento na luta.

Estou em condições de vos afirmar que o 18 de Janeiro de 1934 envolveu, na sua acção em Sines, duas forças políticas na concretização da paralisação e concentração. Refiro-me aos anarco-sindicalistas e aos comunistas, estes em número largamente superior, nos activistas corticeiros, a classe mais numerosa, a mais activa e de maior influência mobilizadora na população laboriosa de Sines.

Mas, também se verificou uma solidariedade política da parte de figuras tidas como republicanas de enorme prestígio na terra, quer na adesão do comércio no seu encerramento, quer em pôr água na fervura junto das autoridades locais, quanto aos "cabecilhas" da mobilização.

O 18 de Janeiro em Sines teve a expressão que se conhece, porque a indústria corticeira teve aqui uma forte concentração motivada por Sines ser durante décadas o porto de embarque de cortiça para exportação, por a classe corticeira estar organizada e ter uma larga experiência de luta à volta de reivindicações salariais que vinha do início do século XX e que veio a marcar, definitivamente, uma viragem da influência anarco-sindicalista para o lado dos comunistas, influência reforçada precisamente a partir da sua reorganização em 1940/41.

A Comissão de Luta era composta por:
ALBERICO - operário corticeiro
EMÍLIO FERREIRA - operário padeiro
MANUEL ESTOLANO - operário da construção civil
PEDRO CHAPA - descarregador de mar e terra
TOMÁS GAZIL - barbeiro

No número de quadros intermédios que actuaram em ligação com a Comissão de Luta, que foram de facto os que pela sua acção directa e grande prestígio na classe, levaram ao encerramento das fábricas e à concentração no centro da vila, conhecem-se os nomes dos corticeiros ANTÓNIO BOTELHO, AUGUSTO RATO, JOSÉ LÁZARO, VASCO LENTES, ANTÓNIO VILHENA, e FRANCISCO BEJA e JOSÉ PIO da construção civil.

Nos republicanos que se solidarizaram no 18 de Janeiro, como se solidarizaram e deram a sua solidariedade nas grandes lutas, como nas paralisações da actividade económica seguida de concentração na rua a 21 de Junho e a 17 de Julho de 1926 contra a nomeação do Administrador do Concelho resultante do recente golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, destacaram-se entre outras, três famílias de comerciantes e pequenos proprietários progressistas, pela sua ligação aos trabalhadores e ao povo: a FAMÍLIA BARBOSA; a FAMÍLIA FERREIRA e a FAMÍLIA GUISADO.

Das empresas de cortiça existentes em 1934, com um total de trabalhadores estimado em mais de quinhentos (500), mas que em épocas de maior laboração se aproximava dos mil (1.000), recordo, pelo nome que eram conhecidas na população:

A Empresa Abel de um só proprietário
A Empresa António Faria e Madrugo (Sociedade)
A Empresa Buknal (Sociedade)
A Empresa Carlos Esteves de um só proprietário
A Empresa Edmundo Prata de um só proprietário
A Empresa Francisco Fernandes (Sociedade Monteiro & Fernandes)
A Empresa Grané de um só proprietário - catalão
A Empresa Herold (Sociedade)
A Empresa José Marreiro de um só proprietário
A Empresa José da Rosa de um só proprietário
A Empresa Manuel Caetano de um só proprietário
A Empresa Paulito & Faria (Sociedade)
A Empresa Wicander (Sociedade)

Queridos Amigos

Numa oportunidade que me é dada para expor, como testemunho vivo, nesta exposição da URAP sobre o 18 de Janeiro de 1934, permitam-me que vos exprima que, embora o Movimento aqui recordado não tivesse atingido o que a classe operária portuguesa e os seus promotores se esforçaram por conseguir; apesar da repressão salazarista e que a um elevado número de trabalhadores da Marinha Grande custou, inclusivamente, anos de prisão na Fortaleza de S. João Batista e mais tarde a deportação para o Tarrafal, o seu exemplo de coragem e combatividade deu os seus frutos, permitindo, entre derrotas e vitórias partir para novos combates. Assim foi na Marinha Grande, em Sines e noutros centros operários do País, como uma escola de aprendizagem que muito nos ajudou, educou e possibilitou chegarmos ao 25 de Abril de 1974.

Américo Leal

Sines, 18 de Janeiro/2008

                                              

                                                       

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