O 49º aniversário da libertação dos presos políticos foi assinalado ontem de manhã em Caxias, junto à peça escultórica evocativa da libertação dos presos políticos, monumento aos “Libertadores e Libertados”, nas imediações da Estação da CP, e à tarde em Peniche, no Museu Nacional da Resistência e Liberdade, dentro da Fortaleza.
Esta iniciativa da URAP de homenagem aos resistentes antifascistas portugueses, a que compareceram muitos sócios e amigos, nomeadamente ex-presos políticos que estiveram naquelas cadeias do fascismo, teve a participação dos músicos Sofia Lisboa e Rui Galveias.
A cerimónia de Caxias foi apresentada por Esperança Martins que agradeceu à Câmara Municipal de Oeiras, ao núcleo da linha de Cascais da Associação 25 de Abril, na pessoa do Comandante Simões Teles, e aos ex-presos políticos, lembrando que muitos não estavam ali presentes porque se encontravam a fazer sessões destinadas aos jovens alunos das escolas.
Referindo-se à URAP, Esperança Martins afirmou que esta não é apenas uma organização dos que lutaram no passado contra o fascismo, mas também das novas gerações que lutam no presente.
José Pedro Soares, coordenador da URAP, recordou que está no prelo um livro sobre a prisão de Caxias com o levantamento dos 10 049 presos que passaram pelo forte de 1934 a 1974. Referiu igualmente a importante recolha de testemunhos, em vídeo, aos ex-presos políticos vivos, realizada numa pareceria entre a URAP e Câmara Municipal de Oeiras, agora disponibilizada, constituindo um importante registo documental para o estudo do fascismo.
O coordenador da URAP falou ainda de outras obras editadas pela organização, nomeadamente a última sobre o III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, que se encontra esgotada e à espera de uma segunda edição.
Coube a Eduardo Baptista, ex-preso em Caxias e membro da URAP, proferir a intervenção de fundo. O orador contou a sua prisão em 1973 durante a campanha eleitoral e a forma como foi enviado para a prisão “juntamente com cerca de três dezenas de democratas e antifascistas da CDE (Comissão Democrática Eleitoral) por distribuirmos nas ruas de várias localidades do Distrito de Lisboa um apelo ao voto”.
“O Forte de Caxias foi a prisão por onde passaram mais mulheres e também celebrizada pela fuga de um grupo de prisioneiros comunistas num carro blindado de Salazar que fora oferecido por Hitler”, lembrou.
Apesar da detenção não ter sido longa, da prisão de Caxias, Eduardo Baptista recordou “a solidariedade entre os presos, ao ponto de, perante as manifestações de apoio das famílias e muitos democratas e antifascistas, no exterior, a PIDE querer libertar alguns de nós de forma discreta, isolada e espaçadamente”.
Com efeito, no dia seguinte ao 25 de Abril de 1974, o General Spínola manifestou-se contra a libertação de alguns presos, e foi a pressão do movimento dos capitães e dos milhares de civis que se encontravam à porta do forte que exigiu a libertação de todos os presos, ao mesmo tempo que no interior da cadeia os presos afirmavam num gesto de solidariedade “ou todos ou nenhum”, o que veio a acontecer.
Eduardo Baptista recordou como os presos se aperceberam da revolução, com “pessoas ao longe acenando, carros buzinando em saudação e manifestações de solidariedade para com os presos”.
“Vi que nos Pides havia nervosismo e alguma desorientação ou insegurança. Exigimos a presença de advogados nos interrogatórios o que, contra todas as nossas expectativas, acabou por acontecer”, relatou.
Depois de afirmar que “o Forte de Caxias é mais um símbolo, para nós inesquecível, da luta que ex-presos políticos e muitos democratas e antifascistas tiveram e, por isso, queremos que este período negro da nossa história, não seja hoje esquecido”, o orador lembrou que “a liberdade que hoje temos foi uma liberdade conquistada, e terá que ser defendida”.
“O fascismo foi vencido mas não está ´morto e enterrado´, espreita novas oportunidades para dominar e explorar como no passado. Hoje as ameaças são reais e, as novas gerações que não conheceram esse passado, as situações que vivemos, precisam de conhecer e compreender a história para não se deixem iludir por saudosismos falsos ou contos, não de fadas mas, de lobos vestidos com pele de cordeiro”, disse, acrescentando que a “um ano das comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril, temos de fazer dessas comemorações mais uma luta para que a Democracia e a Liberdade, valores que custaram muito a conquistar, continuem a ser defendidos”.
Após a actuação de Sofia Lisboa e Rui Galveias que cantaram “Enquanto há força”, “Tinha uma sala mal iluminada” e o “Hino de Caxias”, foram distribuídos simbolicamente 49 cravos.
À tarde, em Peniche, José Monteiro, do núcleo de Peniche, presidiu à cerimónia comemorativa, intercalando as intervenções com actuações musicais.
O orador começou por referir a importância da mobilização da população na libertação dos presos, bem como a acção dos militares, no dia 27 de Abril de 1974, referindo-se em seguida à grande festa prevista para inauguração do Museu Nacional da Resistência e Liberdade, na fortaleza de Peniche, em 2024.
José Monteiro relatou que na manhã daquele dia, centenas de alunos das escolas básicas, mobilizadas pelo serviço educativo do museu, estiveram junto ao forte com os professores para ouvir o ex-preso político José Marcelino, transportando consigo cravos de papel.
A directora do museu, Aida Rechena, usou da palavra para referir que o facto de o museu ainda estar em obras se deve às dificuldades naturais que encerra um trabalho daquela envergadura num monumento de importância nacional, num edifício com mais de 500 anos e muita arqueologia, acrescentando que estão na 2ª fase do projecto.
Apesar do museu estar fechado desde 7 de Janeiro de 2022, Aida Rechena disse que o trabalho não está parado, nem no interior nem no exterior, na medida em que o museu vai às escolas, referindo-se ainda a outros "museus irmãos", tais como o Museu do Aljube e aquele que queremos que venha a nascer no Porto. É preciso criar uma rede de museus da resistência, defendeu.
Depois de considerar que é um privilégio ser directora do museu pela importância do seu projecto e da sua missão - levar ao país e ao estrangeiro as memórias dos ex-presos -, afirmou que interessa valorizar os presos mas também todos os que resistiram à ditadura, e que o trabalho dos resistentes antifascistas está virado para o futuro.
O orador principal, José Ernesto Cartaxo, recordou que “a libertação dos presos políticos, faz hoje precisamente 49 anos, na sequência da madrugada libertadora do 25 de Abril de 1974, foi na verdade uma grande conquista e também uma das condições fundamentais para o rumo vitorioso da Revolução de Abril. (…) este lugar, estas paredes, todo este espaço, que é hoje o Museu Nacional Resistência e Liberdade, guarda memórias sofridas de um tempo que exigiu coragem, entrega, valentia, e foram exemplos que o regime democrático deve preservar e que o tempo exige que não sejam esquecidos, mas sim registados e lembrados para memória futura”.
José Ernesto Cartaxo lembrou como foi “importante o movimento alargado e abrangente que, há cerca de seis anos, combateu e contrariou a intensão do governo de procurar perverter a dimensão histórica e o simbolismo deste local, para lhe dar outro destino. Foi em resultado dessa mobilização, do alerta e da luta de muitos democratas e antifascistas, que veio finalmente a ser decidida e consagrada a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdad
Para o orador, que felicitou a directora do museu e a sua equipa, as obras estão a bom ritmo e “aproxima-se o momento da sua inauguração, já no próximo ano, na feliz coincidência da celebração dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril”.
“Em anos e momentos anteriores, outros meus camaradas têm chamado à atenção para o significado da cadeia que o fascismo aqui instalou e o que representou na luta prolongada dos portugueses para chegarmos a um novo tempo. Caracterizaram o que era o regime prisional severo, o dia-a-dia da vida dos presos, os longos dias, meses e anos que muitos deles aqui passaram e quantas foram as provocações, os castigos e as humilhações”, afirmou, acrescentando que “importa lembrar igualmente o sacrifício das famílias dos presos e a importância da sua própria actividade de denúncia e sobretudo de apoio e solidariedade”.
Falou também nas crianças, “filhos dos presos políticos, forçados a passarem anos e anos sem o carinho e o acompanhamento dos pais, ficando, muitas delas, com traumas que as acompanharam para o resto da vida”, para lembrar o seu “próprio filho, hoje com 54 anos e que ainda carrega a lembrança de, quando tinha 3 anos e vinha visitar o pai, ter ficado com a ideia, durante algum tempo, de que o pai não tinha pernas. E porquê? Porque, no parlatório, desde o início ao fim da visita, ele só via o pai do tronco para cima”.
José Ernesto Cartaxo aludiu ao “extraordinário trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, antecessora da URAP”, e “a importância da solidariedade permanente dos amigos, dos democratas e antifascistas, traduzida em tantas formas, desde logo no apoio às famílias dos presos, na ajuda e organização de transportes, criando condições para as deslocações da vinda às visitas”.
A importância do museu para dar a conhecer páginas da história da resistência e da luta antifascista, e para “dar a conhecer às novas gerações, esses anos de retrocesso e opressão e para que estas não permitam que continuemos a tropeçar em novos monstros que esperávamos definitivamente vencidos, mas que de novo espreitam e reaparecem”, foi sublinhada pelo orador, convicto que “com a confiança e a determinação que a luta antifascista nos legou, e que temos a obrigação histórica de honrar, estamos convictos que, com a luta organizada dos trabalhadores, da juventude e a convergência dos democratas e patriotas, o fascismo não passará e que Abril e os seus valores vencerão”.
A cerimónia contou com a música de Sofia Lisboa e o Rui Galveias, com o "Fado do Abandono", e ainda de Fernanda Lopes, da URAP de Peniche, que cantou “Não há machado que corte” e o “Eu vim de longe”, enquanto as muitas dezenas de presentes gritavam palavras de ordem, observavam com interesse e curiosidade o memorial com o nome dos presos, procurando o seu, dos seus amigos e familiares, e era também possível ouvir contarem uns aos outros histórias das suas prisões.