Tarrafal

A 26 de Janeiro de 1954, embarca no Alfredo da Silva, rumo a Portugal, o último preso do Campo de Concentração do Tarrafal, Francisco Miguel. Durante mais de um mês, este dirigente comunista foi o único prisioneiro no Campo. Os dias de terror do Tarrafal acabavam, para apenas recomeçarem nos anos sessenta, mas já exclusivamente para elementos dos movimentos de libertação das ex-colónias.

A extinção do Tarrafal sempre fora uma exigência das forças democráticas em Portugal. Com a derrota militar dos aliados ideológicos de Salazar na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazi e a Itália fascista, a reclamação ganha mais força. Nas grandes manifestações populares que têm lugar nos dias 8 e 9 de Maio de 1945, para celebrar a Vitória, o encerramento do Campo de Concentração do Tarrafal surge à cabeça das reivindicações populares, lado a lado com a libertação dos presos políticos e a realização de eleições livres.

Pressionado nacional e internacionalmente, o fascismo abre brechas e vê-se obrigado a permitir o nascimento, ainda em 1945, do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Por todo o País, o MUD desenvolve campanhas exigindo a libertação dos presos condenados à morte lenta e o fim do Campo de Concentração do Tarrafal. Na campanha «eleitoral», a Oposição Democrática (que boicotaria as eleições por as considerar uma fraude) realiza grandes manifestações e comícios onde se exige a amnistia e o fim do Tarrafal. Em 1946, embarcam para o continente os presos «amnistiados» por Salazar. Permanecem no Campo 52 prisioneiros.

Mas o Tarrafal perdurou muito para além da derrota de Hitler e Mussolini, com o regime fascista português a receber apoios dos principais países capitalistas, sobretudo com a adesão de Portugal à NATO. Foi a luta do povo português, e a pressão internacional a determinar o seu encerramento, em 1954. Mas o fascismo português prosseguiu até 1974, sempre com o apoio das grandes potências capitalistas.

A denúncia da natureza do Campo de Concentração foi denunciada ainda antes de este receber os primeiros presos. Em Julho de 1936, o jornal clandestino do PCP, o Avante!, apelava já à luta contra o Campo de Concentração do Tarrafal, «túmulo de antifascistas».

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tarrafalCriada em Abril de 1936, através do decreto n.º 25 539, a «Colónia Penal do Tarrafal» tinha como objectivo confesso «recolher os presos condenados a pena de desterro, pela prática de crimes políticos».

Para lá das proclamações, o objectivo era outro: a eliminação física dos opositores políticos do fascismo. No Tarrafal, perderam a vida 32 antifascistas. Sete faleceram logo no primeiro ano de funcionamento do Campo. Dos que saíram e regressaram a Portugal, alguns acabariam por falecer mais tarde, com a saúde arrasada devido às precárias condições vividas naquela prisão.

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Ao contrário do que muitos «historiadores» pretendem fazer crer, o «Estado Novo» não foi apenas um «regime autoritário conservador». Em Portugal houve fascismo, em muito semelhante aos regimes existentes na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler.

A abertura do Campo de Concentração do Tarrafal, criado por decreto governamental em Abril de 1936, pode ter sido a face mais cruel do fascismo português. Mas esteve longe de ser a única.
Após o Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, começa a construir-se em Portugal o edifício fascista, em tudo semelhante ao que vigorava em Itália, primeiro, e, depois, na Alemanha. Em Julho de 1930, é criada a União Nacional, o partido único fascista.
Em 1932, o ditador Salazar formula a sua concepção de «Estado forte»: reforço dos poderes do governo; abolição dos partidos e interdição dos sindicatos; manutenção e reforço da censura imposta com o golpe militar; «modernização» da polícia e das forças armadas. Em Agosto de 1933, é criada a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), antecessora da PIDE. Da Alemanha chegam instrutores nazis para montar o aparelho repressivo salazarista.
Em Março de 1933, a nova «Constituição» é proclamada, após um plebiscito em que a propaganda da oposição era proibida e as abstenções contavam como votos a favor. Em Setembro do mesmo ano, é publicado o Estatuto do Trabalho Nacional, em tudo semelhante à Carta del Lavoro de Mussolini: são criados os sindicatos nacionais e é imposto o modelo corporativo.
mocidade_portuguesa_imagemDois anos mais tarde, os funcionários públicos passam a ser obrigados a assinar uma declaração anticomunista e o governo é autorizado a suspender e demitir das suas funções aqueles que não dessem provas de aceitação e fidelidade à nova ordem fascista. Em consequência disto, são demitidos milhares de funcionários públicos. (Ver também...) À semelhança das organizações existentes na Alemanha de Hitler, são criadas, em 1936, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa.
As forças reaccionárias do grande capital e dos grandes agrários criavam assim o sistema político e social, em tudo semelhante aos que vigoravam na Alemanha e na Itália, que melhor servia os seus interesses e objectivos: pôr o aparelho de Estado ao seu serviço, arredar do poder a pequena e média burguesia, travar o movimento operário.

Reprimir as «criaturas sinistras»

A ideia da construção de um Campo de Concentração surgiu, em Portugal, como parte integrante da evolução da situação política nacional e internacional. A repressão das forças democráticas, em particular ao movimento comunista e operário, reforçava-se com a progressão e consolidação do fascismo na Europa.
salazar_foto_mussoliniA chegada ao poder de Hitler, em 1933, foi um grande estímulo para os fascistas portugueses. Identificando-se com os modelos de Hitler e Mussolini, Salazar recorreu a instrutores alemães para montar o seu aparelho repressivo. Os responsáveis pelo Campo de Concentração do Tarrafal tinham «estagiado» na Alemanha nazi.
O desencadear da sublevação franquista em Espanha, contra o governo republicano da Frente Popular, à qual Salazar deu todo o apoio - em colaboração com os ditadores alemão e italiano -, incentivou e acelerou a política repressiva do fascismo. Salazar insistia mesmo com aqueles governos que, segundo ele, mostravam algumas hesitações na repressão dos comunistas, pois o comunismo era uma «doença» que se não fosse exterminada acabaria por fazer perigar a «civilização ocidental».
O Campo de Concentração do Tarrafal encontrava-se na dependência directa da PVDE e, em última instância, do governo fascista e de Salazar. Ao contrário do que afirmam esses «historiadores», a polícia não actuava à margem da «legalidade fascista», no desconhecimento dos seus chefes máximos. Pelo contrário, Salazar teve um papel directo na definição das orientações e implementação do aparelho repressivo do fascismo. E já em Dezembro de 1933, defendia abertamente a utilização da tortura, apelidada por ele como «safanões a tempo» aplicados a «criaturas sinistras», os presos políticos.

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HERÓIS E MÁRTIRES

Nomes dos mártires que faleceram no «Campo da Morte Lenta», por data de falecimento. Muitos outros morreriam mais tarde, na sequência das doenças contraídas no campo e dos maus tratos de que foram vítimas.

cemitrioFrancisco José Pereira
Marinheiro, nasceu em Lisboa em 1909. Em Setembro de 1936, é preso em sequência da sua participação na Revolta dos Marinheiros. É enviado para o Tarrafal no dia 17 de Outubro do mesmo ano. Morre em 20 de Setembro de 1937.

Pedro de Matos Filipe
Nasceu em Almada em 19 de Junho de 1905 e era descarregador. No dia 30 de Janeiro de 1934 é preso, sendo enviado para o Tarrafal no dia 23 de Outubro de 1936. Morreu no dia 20 de Setembro do ano seguinte.

Francisco Domingues Quintas
Industrial, nasceu em Grijó, no Porto, em Abril de 1889. Preso no dia 28 de Agosto de 1936, é enviado no dia 17 de Outubro para o Tarrafal, onde morre no dia 22 de Setembro de 1937.

Rafael Tobias Pinto da Silva
Nascido em 1911 em Lisboa, este relojoeiro é preso em 7 de Novembro de 1935. Enviado para o Tarrafal a 17 de Outubro de 1936, depois de ter sido absolvido pelo Tribunal Militar Especial, morre no dia 22 de Setembro do ano seguinte.

Augusto Costa
Operário vidreiro nascido em Leiria, é preso no dia 1 de Fevereiro de 1934, na sequência do levantamento do 18 de Janeiro. Em 23 de Outubro de 1936, é enviado para o Tarrafal, onde viria a falecer menos de um ano antes, a 22 de Setembro de 1937.

Cândido Alves Barja
Marinheiro, nascido em Castro Verde em Abril de 1910, é preso na revolta dos marinheiros. Enviado para o Tarrafal em finais de Outubro de 1936, morre no campo a 29 de Setembro de 1937.

Abílio Augusto Belchior
Marmorista nascido em 1897, é preso em Janeiro de 1932. Enviado para o Tarrafal no dia 23 de Outubro de 1936, acabou por morrer a 29 de Outubro do ano seguinte.

Francisco do Nascimento Esteves
Nascido em Lisboa em 1914, torneiro mecânico, foi preso em Maio de 1937. Passado um mês, é enviado para o Tarrafal, onde acabou por falecer, pouco mais de seis meses depois, a 21 de Janeiro de 1938.

Arnaldo Simões Januário
Barbeiro nascido em Coimbra em 1897, é preso no início de 1934. A 23 de Outubro de 1936, é enviado para o Tarrafal, onde morreu em Março de 1938.

Alfredo Caldeira
Nascido em Lisboa, em 1908, era pintor decorador. Preso em Outubro de 1933, é enviado, dois anos depois, para o Tarrafal. No primeiro dia de Dezembro de 1938, morre.

Fernando Alcobia
Vendedor de jornais nascido em Lisboa, é preso em Dezembro de 1935. Enviado para o Tarrafal a 29 de Outubro de 1936, faleceu em Dezembro de 1939. Tinha 24 anos.

Jaime da Fonseca e Sousa
Impressor na Casa da Moeda nascido em Tondela em 1902, foi enviado para o Tarrafal a 29 de Outubro de 1936. Morre em Julho de 1940.

Albino António de Oliveira Coelho
Nasceu em 1897 e era motorista. Enviado para o Tarrafal em Novembro de 1937, faleceu em Agosto de 1940.

Mário dos Santos Castelhano
Empregado de escritório, nasceu em Lisboa em Maio de 1896. Preso em Janeiro de 1934, vai para o Tarrafal em Outubro de 1936. Morreu quatro anos depois.

Jacinto de Melo Faria Vilaça
Marinheiro nascido em Maio de 1914, foi preso em sequência da revolta dos marinheiros. Em Outubro de 1936, é enviado para o Tarrafal, onde morreu em Janeiro de 1941.

Casimiro Júlio Ferreira
Nasceu em Lisboa a 4 de Fevereiro de 1909. Funileiro de profissão, foi preso em Janeiro de 1934. Enviado para o Tarrafal em 29 de Outubro de 1936, morre em Setembro de 1941.

Albino António de Oliveira de Carvalho
Nasceu em 1884, na Póvoa do Lanhoso. Comerciante, é preso em 1937 e enviado para o Tarrafal em Junho de 1939. Faleceu a 22 de Outubro de 1941.

António Guedes de Oliveira e Silva
Motorista, nasceu em Vila Nova de Gaia a 1 de Maio de 1901. Em Novembro de 1937 foi preso, tendo sido desterrado para o Tarrafal dois anos depois, em Abril de 1939. Morreu em Novembro de 1941.

Ernesto José Ribeiro
Nasceu em Março de 1911, em Lisboa. Padeiro ou servente de pedreiro, é preso em Janeiro de 1934. a 23 de Outubro de 1936 é mandado para o Tarrafal. Morreria em Dezembro de 1941.

João Lopes Dinis
Canteiro nascido em Sintra, em 1904, é preso em Dezembro de 1934. Em Outubro de 1936 é enviado para o Tarrafal, onde viria a falecer a 12 de Dezembro de 1941.

Henrique Vale Domingues Fernandes
Nascido em Agosto de 1913, este marinheiro foi preso em Setembro de 1936. Dois meses depois rumava ao Tarrafal de onde não sairia com vida. Morreu no dia 7 de Janeiro de 1942.

Bento António Gonçalves
Nascido em Março de 1902 e natural de Santo André de Fiães do Rio, no concelho de Montalegre, era torneiro mecânico no Arsenal da Marinha. Em Novembro de 1935 é preso e onze meses mais tarde é enviado para o Tarrafal. Morreu a 11 de Setembro de 1942.

Damásio Martins Pereira
Operário, é enviado para o Tarrafal no dia 12 de Junho de 1937. Faleceu em Novembro de 1942.

António de Jesus Branco
Descarregador nascido em Carregosa, no dia de Natal de 1906, é preso em Julho de 1936. A 29 de Outubro do mesmo ano é enviado para o Tarrafal. Morre em1942, três dias depois de ter completado 36 anos.

Paulo José Dias
Nasceu em Lisboa no dia 24 de Janeiro de 1904. Fogueiro-marítimo de profissão, é preso no dia 7 de Julho de 1939. Enviado para o Tarrafal em junho de 1940, faleceu em Janeiro de 1943.

Joaquim Montes
Operário corticeiro nascido em Almada em 11 de Setembro de 1912, é preso a 30 de Janeiro de 1934. Enviado para o Tarrafal em Outubro de 1936, acabaria por morrer em Fevereiro de 1943.

Manuel Alves dos Reis
De Manuel Alves dos Reis pouco se sabe. Apenas que faleceu em 11 de Junho de 1943 no Campo de Concentração do Tarrafal.

Francisco Nascimento Gomes
Condutor, nascido em Vila Nova de Foz Côa a 28 de Agosto de 1909, foi preso em Outubro de 1937. Em Abril de 1939, é enviado para o Tarrafal onde acabou por falecer em Novembro de 1943.

Edmundo Gonçalves
Nascido, em Fevereiro de 1900, em Lisboa, foi preso em Dezembro de 1936. Enviado para o Tarrafal em Junho de 1937, morreu sete anos depois, em junho de 1944.

Manuel Augusto da Costa
Pedreiro da Amora, chega ao Tarrafal a 29 de Outubro de 1936. Faleceu a 3 de Junho de 1945, pouco menos de um mês depois da derrota no nazifascismo na Europa.

Joaquim Marreiros
Marinheiro nascido em Lagos em 1910, é preso em Setembro de 1936, na sequência da Revolta dos Marinheiros. Estava no grupo de 150 presos que «inaugurou» o Campo do Tarrafal, em Outubro de 29 de Outubro de 1936. Morreu em 1948.

António Guerra
Nascido na Marinha Grande, a 23 de Junho de 1913, este empregado do comércio foi enviado para o Tarrafal a 29 de Outubro de 1936. Lá faleceu, no final de 1948. Foi a última vítima do «Campo da Morte Lenta».

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