Intervenção de António Vilarigues na Homenagem aos Tarrafalistas

Amigos, companheiros, camaradas,

«Não temos deportados por delitos políticos, nem exilados forçados!» Assim falava a 17 de Maio de 1945, na Assembleia Nacional fascista, aos seus assustados correligionários, o ditador Salazar.
E, no entanto, no cemitério do Tarrafal ficaram os corpos de 32 dos prisioneiros que ali morreram vítimas dos maus-tratos sofridos.
Só depois do 25 de Abril de 1974, foi possível trazê-los de regresso para terra portuguesa. Corpos que aqui se encontram desde 1978, neste Mausoléu Memorial erigido por subscrição pública e no qual estão inscritos os seus nomes.
Justiça foi feita e o exemplo da sua luta e da sua resistência é estímulo para a luta presente e para a luta futura de aprofundamento e reforço das liberdades e da democracia.

Já não se encontra entre nós nenhum dos sobreviventes do Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, mais conhecido como o «Campo da Morte Lenta».
O Tarrafal funcionou durante 17 anos, entre 1936 e 1954, período durante o qual foram encarcerados, torturados, mortos, 340 presos, totalizando 2.000 anos, 11 meses e 5 dias de perda da liberdade, a milhares de quilómetros de Portugal.
Foi reaberto em 1962, desta vez destinado aos patriotas dos movimentos de libertação das colónias portuguesas. Foi encerrado definitivamente depois da Revolução de Abril, em 1974.

Alguém escreveu que, e cito, «a nova sociedade democrática leu-os e ouvi-os durante dois ou três anos, os dezassete meses revolucionários de 1974-75 e qualquer coisa mais, e depois remeteu-os ao silêncio».
Connosco, na URAP, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses, nunca os deixámos, nem deixaremos, cair no esquecimento.
Sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, já se tem dito e escrito alguma coisa, mas nunca se dirá e escreverá tudo o que haverá para dizer.
O Tarrafal não foi nunca, nem deverá ser, um assunto que só dissesse respeito aos que por lá passaram. Por isso, repito, aqui estamos.
O campo destinava-se a liquidar, em condições menos expostas, uma boa parte dos elementos mais firmes da luta contra o fascismo. O Seixas, chefe dos pides do campo, dizia: «Tudo o que veio para aqui foi para morrer, lapas e tudo».

Havia o clima, os trabalhos forçados - a arrancar pedra, partir pedra, carregar pedra -, a água inquinada, a falta de higiene, o paludismo, a ausência de assistência médica, a desumanidade, o mal, o escrever à família uma carta ou um postal censurado de 40 em 40 dias. Havia a «frigideira», a tortura, os espancamentos.

E havia a resistência e a luta heróica. Havia a Comissão de Campo clandestina e unitária, as tentativas de fuga, a Universidade Popular, a formação política, a circulação de informação clandestina.
Como disse em entrevista, Sérgio Vilarigues, 46 meses de Tarrafal, já depois de ter cumprido a pena, «Os presos são assim, há quem diga que nas prisões não se luta, mas eu digo-te: luta-se e de que maneira!
Mesmo no campo de concentração?
Claro, quantas lutas, e vitoriosas, lá fizemos. Eram combates pelos nossos direitos, se assim se pode dizer de um sítio onde é quase caricato falar de direitos, mas sobretudo pela nossa sobrevivência.»

Amigos, companheiros, camaradas,
Esquecer ou branquear o fascismo representa um perigo real, e um perigo de hoje, para os direitos e liberdades democráticas conquistados.
Alguns académicos, analistas, comentadores, partidos políticos, procuram transmitir a ideia de que em Portugal não existiu fascismo, mas somente um regime autoritário, com um ideário conservador, cristão e corporativista, liderado por Salazar, uma figura «paternalista», o que sugere uma imagem de «brandura» em comparação com os «ditadores».

Ou seja, acabam muitas vezes por branquear o fascismo português e a sua natureza e prática bárbara e terrorista.
Como disse alguém: «Na grande operação de branqueamento da ditadura não é a utilização de especulações teóricas elaboradas em gabinetes que pode alterar a sua justa definição como ditadura fascista. Assim foi considerada pelo povo. Assim ficará na história». Nada mais verdadeiro!
Há hoje em Portugal uma nova geração que não conheceu – felizmente – o peso da opressão policial, da repressão política, das prisões e torturas, da censura, da miséria, da emigração massiva e das guerras impostas pela política imperial do fascismo.
Não viveu – felizmente – a abominação das concepções da ideologia fascista ma sua versão salazarista que a ditadura quis impor ao nosso povo, matraqueando-a nas escolas, martelando-a na comunicação social amordaçada.
Não podemos deixar que o apagamento do que foi a ditadura, e a reabilitação dos seus responsáveis e da sua política abra caminho ao ressurgimento de ideologias fascistas e de práticas políticas nelas inspiradas, em contraponto com as campanhas de descrédito, desvalorização e degradação da democracia.

No ano em que comemoramos os 50 anos do derrube do fascismo de Salazar e Caetano e a Revolução de Abril, defender a liberdade e os direitos democráticos significa cada vez mais exercer os direitos de manifestação, de expressão, de reunião, o direito à greve e à propaganda política, a todos os direitos conquistados. E defender não só a democracia política, mas também a social, a económica e a cultural. Para que não haja fascismo. Nunca mais.
No próximo dia 10 de Março, quando votarmos, é também, e sobretudo, o que aqui foi dito que está em causa.

 

17 de Fevereiro de 2024

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