O advogado Álvaro Seiça Neves, militante antifascista, preso político, que pertenceu à organização dos três congressos da oposição que se realizaram em Aveiro, foi homenageado dia 17 de Outubro, em Aveiro, no ano do centenário do seu nascimento.
Na sessão, organizada pelo núcleo de Aveiro da URAP, tomaram a palavra António Morais, que dirigiu os trabalhos, António Regala, Jorge Sarabando e o General Pezarat Correia, para além de membros da família que, num momento significativo e emotivo, enalteceram a iniciativa e deram uma nota importante sobre a vida do homenageado.
Abriu a sessão António Morais que saudando todos os presentes, incluindo os presidentes da Assembleia Municipal de Aveiro, da Câmara Municipal de Aveiro e da União de Juntas de Freguesia da Glória e Vera Cruz, justifica o acto, além dos méritos do homenageado, também pelo “exemplo de resistência à usurpação da liberdade e da democracia” tão necessário em “tempos que atravessamos complexos, confusos e pantanosos que alguns pensadores já apelidaram da Era da pós-verdade, em que deixou de ter interesse a verdade como um valor absoluto, e a manipulação das massas põe em risco os cimentos da democracia, em que o terreno é fértil para o florescimento de movimentos populistas e a ascensão de tiranos, déspotas e autocratas que tentam ocupar o poder, em que os mecanismos que sustentam a legitimidade soberana do povo estão continuamente a degradar-se e a deteriorar-se”.
O interveniente seguinte seria António Neto Brandão, através de uma mensagem, dado que por impedimento de saúde não foi possível estar presente. Nela referia a coragem, firmeza e inteligência do homenageado, do qual bebeu, não só a amizade, mas também o sentido de luta e de unidade.
António Regala referiu Álvaro Seiça Neves na perspectiva do jovem que o conheceu e com ele conviveu e travou lutas sérias contra o regime fascista. Consideraou que teve sempre “em conta as mais diversas sensibilidades políticas – oposicionistas, claro - promovendo os consensos.” Mas adianta: “não se pense que esta busca por consensos simbolizava qualquer fragilidade ou quebra. Não, antes pelo contrário, era a garantia necessária para a força que tinha que haver a enfrentar a “besta” fascista. A sua argúcia e firmeza eram sempre determinantes nessa incessante busca de unidade.”
Jorge Sarabando começou por referir Álvaro Seiça Neves como “um obreiro da democracia”. Depois de evocar a importância do homenageado em todos os três congressos, referiu o interesse de militares no 3º congresso: “Teve influência em muitos militares de Abril e na elaboração do Programa do MFA. Há testemunhos valiosos neste sentido, como os de Melo Antunes e Pezarat Correia. Duran Clemente, assistiu à carga policial e afirma ter escrito um indignado texto que reproduziu e enviou para camaradas seus de diversas unidades. Os Comandantes Simões Teles e Pedro Lauret, numa antologia recente sobre o 25 de Abril, revelam ter estado presentes 11 oficiais da Marinha, entre os quais Martins Guerreiro e Almada Contreiras, e três Aspirantes da Escola Naval. Outros três oficiais ousaram requerer autorização para assistir aos trabalhos, que lhes foi recusada.”
Jorge Sarabando referiu ainda que Álvaro Seiça Neves “viveu a revolução com júbilo, alegria e fraternidade. A unidade era a palavra-chave da vitória e o MDP a escolha natural para a sua militância cívica.” Terminou com a denúncia da importância do papel do homenageado: “E como é precioso o seu exemplo, nestes incertos tempos, de ameaças à liberdade e à paz, de desigualdades crescentes, de desvalorização do trabalho, de discurso do ódio, de regresso dos fascismos, de desprezo pelo ser humano concreto: agora, quando urge saber vencer o medo e fazer a pedagogia da coragem, como o seu exemplo brilha.”
Por fim interveio o General Pezarat Correia. Aludindo à sua enorme amizade pessoal com Álvaro Seiça Neves, que conheceu depois do 25 de Abril, mas com quem de imediato se transmitiu uma empatia que durou até à sua morte. Contou mesmo um episódio em que tendo aceitado um convite para um fim-de-semana em Aveiro, onde estaria também o General Vasco Gonçalves, viu quase gorado esse encontro. E isto, porque este pediu para cancelar. O General Vasco Gonçalves já não estava no governo, e estava a ser vilipendiado por aqueles que queriam que isto voltasse para trás. Pezarat Correia estava no Conselho da Revolução. Vasco Gonçalves não queria prejudicar de nenhum modo Pezarat Correia, pois a sua “enorme condição humana e ética” não lho permitiam. E foi Pezarat Correia, que sabendo desta humildade e sentido ético, que exigiu que se fizesse esse encontro que recorda como dos “mais significativos da sua vida”.
Pezarat Correia sublinhou a estreiteza de relações que foi mantendo com a família do homenageado, da sincera amizade que sua mulher criou com Dora, a mulher de Álvaro Seiça Neves. E referiu ainda a importância que teve para si esta amizade, que, embora tardia, trouxe ao diálogo questões antigas da oposição ao regime que ele e muitos outros militares já admiravam, mas que só puderam tomar conhecimento desses actores da oposição após o 25 de Abril de 1974. Confessou mesmo que antes de Abril, em 1969, Melo Antunes tinha tentado pertencer à lista da CDE, só que o Exército não lhe deu permissão. E pouco antes de Abril, foram as conclusão e saídas do 3º Congresso de Oposição Democrática que serviram de base na construção do Programa do MFA. Acabou enaltecendo o Homem bom que foi Álvaro Seiça Neves, cujo exemplo, nos dias de hoje, tanta falta faz perante as ameaças que por aí pairam.
Falaram ainda dois familiares do homenageado. Daniel Cruzeiro, neto mais velho, que enalteceu a iniciativa da URAP, fez questão em soletrar por completo, dando nota da sua experiencia com o avô e da quantidade de democratas que lá por casa iam passando nas mais diversas reuniões que se faziam. Paula Seiça Neves Barbado, sobrinha, agradeceu esta iniciativa e mencionou todo o carinho recebido de seu tio, sobretudo após a morte da mãe (irmã do homenageado), quando ainda era menor. Contou a história da casa de família em Sangalhos, onde algumas vezes se juntavam e em cuja mesa da sala de estar estava uma imagem de Salazar enforcado.
Antes da sessão terminar ainda se ouviram dois temas de José Afonso cantados à capela por Rui Oliveira, que amavelmente substituiu o coro previsto, impedido de comparecer devido à doença de um elemento.
Antes de encerrar a sessão e dado o interesse manifestado por todos os presentes foi entendimento da URAP propor à Câmara que se dê a uma rua da cidade o nome de Álvaro Seiça Neves. Esta proposta mereceu a aclamação de todos os presentes.
Álvaro José Pedrosa Curado de Seiça Neves nasceu a 28 de Março de 1920 e morreu a 15 de Março de 1982. Era filho do professor e advogado Manuel das Neves, também ele um antifascista muito respeitado na região de Aveiro.
Pertenceu ao MUD na década de 40 e foi preso pela PVDE sob a acusação de actividades subversivas, em 1949 fez parte da comissão de candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, em 1951 apoiou a candidatura à Presidência da República de Ruy Luís Gomes, em 1958 a de Arlindo Vicente e, depois, a de Humberto Delgado, fazendo parte da Comissão Nacional desta Candidatura.
Seiça Neves esteve na organização dos três congressos que se realizaram em Aveiro: o 1º Congresso Republicano de 1957, o 2º Congresso Republicano de 1969 e o 3º Congresso de Oposição Democrática de 1973.
Foi presidente eleito da Casa-Museu de José Estêvão [que as autoridades iriam extinguir]. Como advogado, secretariou a delegação de Aveiro da Ordem dos Advogados, a que depois presidiria, e, entre 1963-1965 e 1966-1968, foi vogal do Conselho Distrital de Coimbra daquela Ordem.
Após o 25 de Abril, em Janeiro de 1978, assinou um manifesto dirigido “Ao Povo Português”, protestando contra o governo de coligação entre o Partido Socialista (PS) e o Centro Democrático Social (CDS), que viria a constituir-se. Foi co-fundador do semanário aveirense “Libertação”, e membro da sua redacção.


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