Cambedo da Raia, aldeia raiana do concelho da Chaves, que integrou um corredor de salvamento de quem fugia da violenta repressão franquista na Galiza, foi homenageado dia 18 de Dezembro por um grupo de 42 portugueses representante da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-UNL, do Museu do Aljube Resistência e Liberdade, do Coro da Casa da Achada-Centro Mário Dionísio, e de outras associações antifascistas, entre as quais a URAP.
O coordenador da URAP, José Pedro Soares, e Carlos Mateus, do Conselho Directivo, estiveram presentes, tendo o primeiro sublinhado na sua intervenção a justiça da homenagem efectuada ao povo daquela aldeia que, sabendo os perigos que corria, deu mostras de enorme generosidade e solidariedade para com os seus vizinhos galegos, acabando por sofrer a repressão fascista que se abateu sobre os que viviam naquela terra.
José Pedro Soares referiu ainda o ignóbil silêncio das autoridades espanholas e portuguesas sobre estes acontecimentos, deixando assim esquecer ou branquear os crimes dos fascismos português e espanhol, ao mesmo tempo que realçou a necessidade de se continuar a preservar a verdade e a memória históricas daquele período e homenagear os milhares de homens e mulheres que resistiram e lutaram contra o fascismo, os que caíram às balas assassinas e outros que sofreram ou cumpriram pesadas penas de prisão.
Anteriormente, Paula Godinho, da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e da organização, referiu-se à experiência que obteve ao viver na aldeia durante o tempo em que investigou estes acontecimentos, e agradeceu a participação das várias entidades, em particular, a do Museu do Aljube, ali representado pela directora, Rita Rato, que assegurou o transporte.
Paula Godinho manifestou igualmente o desagrado pelo facto da Câmara Municipal de Chaves ter retirado o apoio à iniciativa, considerando um claro ato de sabotagem.
Seguiram-se outras intervenções por representantes de diversas entidades que referiam os trágicos acontecimentos e a coragem e solidariedade do povo da aldeia, salvando vidas e acolhendo refugiados, alguns dos quais integrantes dos grupos de guerrilheiros que combateram o franquismo, e manifestaram a necessidade de se prosseguir a luta pela preservação da memória histórica.
A cerimónia terminou com uma deposição de flores junto à placa de homenagem, colocada em 1996, onde o Coro da Casa da Achada executou canções portuguesas e galegas da resistência. Finalmente, já ao cair da noite, actuou um grupo de jovens músicos do Porto.
No dia seguinte, 19 de Dezembro, o grupo de portugueses, já acompanhados por companheiros galegos, deslocou-se à aldeia de Campobecerros, a norte de Verín, Galiza, para uma deposição de flores junto da placa que assinala e homenageia três portugueses, trabalhadores dos caminhos-de-ferro (Carrilanos) e apoiantes da República, ali assassinados pelos falangistas em Agosto de 1936.
Entre as várias intervenções proferidas, destacamos a do presidente da associação dos Carrilanos, Pepe, que descreveu como ocorreram os assassinatos e como os corpos foram transportados pelo povo em carro de vacas até as cemitério.
Com emoção e ao som da actuação do Coro da Casa da Achada, os participantes fizeram entrelaçados uma grande roda para cantar Grândola Vila Morena e gritarem: 25 de Abril Sempre, Fascismo Nunca Mais!
Na noite de 21 de Dezembro de 1946, Cambedo da Raia foi cercada pela PIDE, GNR e Guarda Civil espanhola, e bombardeada com morteiros, provocando mortos e feridos e muitos dos seus habitantes presos e levados pela PIDE.
Sobre estes acontecimentos caiu entretanto um manto de silêncio durante décadas, até que em 1996, depois de um trabalho de investigação e recolha de informação, realizado por Paula Godinho, do Departamento de Antropologia, do Instituto de História Contemporânea da FCSH-UNL, de associações galegas de preservação da memória histórica e de várias universidades recuperarem material sobre o ocorrido. Num primeiro tributo, colocaram na aldeia de Cambedo da Raia uma placa que homenageia a solidariedade e generosidade dos seus vizinhos portugueses.
Em 13 de Dezembro passado, realizou-se a Conferência Internacional “Fronteira, solidariedade e porvir: Cambedo da Raia (1936-1946)” na Torre do Tombo, em Lisboa, onde ficou agendada uma deslocação a Cambedo da Raia, no concelho de Chaves, para assinalar a passagem dos 75 anos sobre os trágicos acontecimentos naquela pequena aldeia fronteiriça trasmontana para 18 e 19 de Dezembro.