A cadeia de Caxias encerrou mais de 10 000 presos políticos entre 1936 e 1974, é o que relata mais um livro da URAP agora editado, apresentado dia 9 de Maio na Faculdade de Direito de Lisboa na presença do director, Eduardo Vera Cruz, o coordenador da organização, José Pedro Soares, e o Tenente Fuzileiro David Geraldes, que participou na libertação dos presos.
“Cadeia de Caxias - a repressão fascista e a luta pela liberdade”, da Colecção Páginas de Memória, foi lançado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa numa
sessão realizada com o apoio da Associação Portuguesa dos Juristas Democratas (APJD), presidida por Álvaro Pato, do Conselho Fiscal da URAP e ex-peso político.
Numa sala com muitos ex-presos políticos, Eduardo Vera Cruz, que falou em representação da Faculdade de Direito, depois de considerar ser um motivo de honra e orgulho para a faculdade receber o livro, fez referência ao recurso a leis que justificavam projectos ditatoriais, considerando o legalismo instrumento dos ditadores.
Após revelar ser de Angola e como tal “ter adquirido consciência do que era ser colonizado”, disse que “a liberdade não foi oferecida, teve de ser conquistada”.
“A Faculdade de Direito tem de ter inscrito no seu ADN a defesa da liberdade. Não deve haver professores de Direito que apoiem ditaduras, mas infelizmente tivemos isso”, afirmou, recordando actos de violência e repressão sobre estudantes.
José Pedro Soares, que foi também ex-preso político, enquadrou o livro num projecto de trabalho mais vasto da URAP para combater o branqueamento.
Nesse contexto, lembra a recente inauguração do Museu Nacional da Resistência e Liberdade, de Peniche, como uma conquista importante para preservar a memória.
O coordenador a URAP explicou todo o processo moroso de pesquisa e levantamento dos nomes dos presos, referiu os vários livros que a organização editou e o conteúdo de cada um deles.
Falando do presente livro, José Pedro Soares contou o processo específico sobre a sua redacção e matéria, destacou a introdução do advogado e presidente da Assembleia Geral da URAP, Levy Baptista, e relevou a acção dos clandestinos que lutaram anos em segredo, sem o seu nome e a sua família.
Depois de fazer uma breve abordagem à história da fortificação de Caxias e usos da cadeia, descreveu também aspectos da vida prisional e da repressão da PIDE, a comunicação entre presos a partir da sua experiência pessoal, o sofrimento da tortura e da incerteza.
As crianças a chorar na prisão, porque havia crianças presas, a história de uma presa que estava grávida e quando o bebé nasceu ficou com o corpo coberto de percevejos, o caso de Albina Fernandes e dos dois filhos pequenos encarcerados numa cela minúscula, são relatados por José Pedro Soares.
O orador lembrou outras presas como Conceição Matos e as torturas a que foi submetida, e o poema de Glória Marreiros; as duas fugas da prisão, nomeadamente de Georgete Ferreira e dos 61 presos que se evadiram no carro de Salazar. Sem esquecer os julgamentos no Tribunal Plenário de Lisboa.
O dirigente da URAP assinalou que a sessão se realiza no dia em que terminou a II Guerra Mundial, os perigos de hoje nas ameaças à democracia e à paz, terminando com a alegria da dimensão que este ano revestiram as comemorações do 25 de Abril.
Madalena Santos, presidente da APDJ, convidou Levy Batista, presidente honorário da associação, a intervir e partilhar a sua experiência como defensor de muitos presos políticos durante a ditadura.
O também presidente da Assembleia Geral da URAP, sublinhou a diferença entre direito e justiça, e defendeu que a APDJ tal como a URAP são organizações que surgem depois do 25 de Abril, mas ambas têm raízes antes da revolução e os seus primeiros sócios estiveram entre as pessoas que combateram o fascismo.
O Tenente Fuzileiro David Geraldes deu o testemunho da sua participação pessoal, em 1974, na libertação dos presos políticos do Forte de Caxias.
Depois de referir que os militares do MFA dirigiram-se a Caxias para libertar os presos, contou que o General Spínola não tinha dado ordem para a sua soltura, nomeadamente dos presos com crimes de sangue, tendo enviado para Caxias, pelas 16:00 do dia 26 de Abril, o Tenente Coronel Dias Lima, chefe da sua Casa Militar com essa ordem.
Os oficiais presentes tinham decidido que “aconteça o que acontecer” os presos seriam libertados, e o colectivo dos presos gritava que “ou todos ou nenhum”, numa manifestação de unidade e solidariedade.
Enquanto se davam abraços efusivos entre militares e presos no átrio da cadeia, fora do forte, ao longo de todo o dia, começavam a juntar-se familiares e apoiantes dos presos, advogados antifascistas, dirigentes políticos e da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, e muita imprensa, para fazer pressão.
Finalmente, na passagem de 26 para 27 de Abril, a Junta de Salvação Nacional anuncia a libertação de todos os presos.
Caxias estaria vazia por pouco tempo. Em breve começariam a chegar ao local os PIDE que o MFA ia prendendo.
Para David Geraldes, “vivemos em democracia, mas vivemos tempos difíceis e nada é garantido”. “Vamos todos dar continuidade ao 25 de Abril”, apelou.
A jovem Matilde Lima, estudante e do Conselho Nacional da URAP, falou sobre a tentativa de reescrita da história, do papel da juventude para a conquista e efectivação dos direitos, muitos dos quais se encontram por concretizar.
Matilde Lima relevou que muitos dos presos e lutadores no fascismo eram jovens na altura, e na necessidade de dar a conhecer aos jovens de hoje o que foi o fascismo.
A oradora leu dois poemas incluídos no livro, um de Maria Teresa Horta sobre a prisioneira Mariana Janeiro, e outro de Agostinho Neto, intitulado “Havemos de Voltar”.
A sessão, que constituiu também uma homenagem aos milhares de homens e mulheres que resistiram e lutaram durante 48 anos, para que fosse possível derrubar o fascismo, terminou com um momento cultural com a actuação de Filipe Lopes e Rúben Martins.