Jaime Serra, herói da resistência, até agora o mais antigo antifascista vivo, ex-dirigente do Partido Comunista e deputado à Constituinte e à Assembleia da República morreu hoje, 9 de Fevereiro, aos 101 anos.
O corpo de Jaime Serra estará em câmara ardente na sexta-feira, a partir das 16h00, na Casa Mortuária da Igreja S. Francisco de Assis, Av. Afonso III (Alto S. João), realizando-se o funeral no sábado.
Jaime dos Santos Serra nasceu em Alcântara, Lisboa, a 22 de Janeiro de 1921. Membro do PCP desde 1935, pertenceu à Comissão Política do PCP, à Comissão Central de Controlo e Quadros, à Comissão Central de Controlo e à Comissão Administrativa e Financeira.
Depois da Revolução dos Cravos foi deputado pelo PCP à Assembleia Constituinte e sucessivamente, até 1983, deputado à Assembleia da República, na primeira e segunda legislaturas pelo círculo de Setúbal, e pelo círculo de Coimbra na III e IV legislaturas.
O pai, Joaquim Eleutério, estivador, era próximo dos ideais anarco-sindicalistas, e em casa recebiam "A Batalha" e outra literatura revolucionária. Foi muito jovem que Jaime Serra começou a lê-la. "Com 12 anos já tinha lido o "Germinal" e o "Trabalho", de Zola, e tudo o que apanhava à mão", segundo afirmou em entrevista.
Após a precoce morte do pai num acidente de carroça, aos 41 anos, deixando mulher e quatro filhos menores, Jaime Serra abandonou os estudos e começou a trabalhar com 12 anos, na construção civil, no Barreiro.
“Foi no barracão das obras em que dormia que conheceu o primeiro comunista. Era de Porto Brandão e levou Serra a frequentar a biblioteca dos Penicheiros, no Barreiro. Assistiu também a aulas de esperanto, um projecto de língua universal que tinha muita popularidade em sectores da classe operária. Sinto curiosidade por esta gente que queria ler, aprender línguas universais que dariam as palavras a um mundo sem fronteiras e que tentavam conhecer as matemáticas, a física e tudo o que acontecia de mais moderno no mundo”, lê-se na entrevista que concedeu ao jornal i, ao jornalista Nuno Ramos de Almeida, em 25 de Agosto de 2014, aos 94 anos.
A prisão de um dirigente sindical nas oficinas da CP no Barreiro, na sequência da Revolta do 18 de Janeiro de 1934, seria a sua primeira experiência de protesto em solidariedade com o ferroviário. Pouco tempo depois aderiu à Juventude Comunista e ao Socorro Vermelho, e em 1935 ao Partido Comunista Português.
Com 16 anos é preso pela primeira vez, numa distribuição do jornal Avante. Depois da prisão passou vários meses sem trabalhar. Mudou de profissão, por influência de Alfredo Diniz (Alex), posteriormente assassinado pela PIDE, matriculou-se num curso nocturno da Escola Industrial Marquês de Pombal. Em 1939, depois de estar na equipa de construção de uma lancha da Marinha de Guerra, concorreu para o Arsenal do Alfeite e foi admitido.
No Alfeite, onde ficará como operário até 1947, ajudou a organizar a célula clandestina do PCP e participou nas greves da construção naval de 47, e por estar referenciado pela polícia, passa à clandestinidade. Fá-lo já casado com a sua companheira de sempre, Laura Serra, e com uma filha, a segunda e o terceiro nasceriam na clandestinidade.
Em 1949, Jaime Serra é preso pela segunda vez, recusa fazer qualquer declaração à PIDE e é barbaramente torturado. Durante meses fica nos calabouços do Aljube, sendo depois transferido para Peniche, de onde foge a 3 de Novembro de 1950, com Francisco Miguel. Acaba por ser preso em Dezembro de 1954 e evade-se de Caxias em Março de 1956. Após nova prisão em Dezembro de 1958, participará na célebre fuga de Peniche, a 3 de Janeiro de 1960, com outros dirigentes comunistas, Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério de Carvalho. Não volta a ser preso.
À pergunta do jornalista de «"como eram possíveis tantas fugas?", Serra, com um olhar divertido, diz: "Tínhamos muito tempo para pensar nisso." Acrescenta, mais sério, que a primeira tarefa de um revolucionário preso é tentar escapar. "E entre os presos tínhamos o tempo e a determinação para observar a vida na prisão, ver nas rotinas as fraquezas e preparar essa fuga." O último livro que escreveu versa aliás essa experiência colectiva, "12 Fugas das Prisões de Salazar"».
Em 1952, Jaime Serra passou a fazer parte do Comité Central do PCP e posteriormente da Comissão Política. Teve um papel relevante no 5º Congresso, o do chamado "desvio de direita" na história oficial do partido, em que apresentou, com o nome de guerra Freitas, o relatório sobre política colonial, e no 6º Congresso, o único realizado no estrangeiro, em Kiev, em que Cunhal, depois da fuga, ficará à frente do partido.
Em 1962, organizou a saída de Portugal clandestina dos dirigentes dos movimentos de libertação Vasco Cabral e Agostinho Neto. Arranjou um barco para essa acção e, no meio de uma tempestade, em que Serra tem de abrir o motor à machadada, conseguem desembarcar os dois com as famílias em Marrocos.
Em 1970, enviou uma carta ao Comité Central defendendo as acções armadas contra o regime. Ficou responsável pela criação da ARA (Acção Revolucionária Armada), organização do PCP que desenvolve um conjunto de acções contra a máquina de guerra do regime: a bomba no paquete Cunene, a destruição de mais de 20 aeronaves da força aérea em Tancos, a interrupção das comunicações durante a reunião da NATO em Lisboa, entre outras.
“O casal, Jaime e Laura Serra, viveu na clandestinidade sem os três filhos. Quando fez 74 anos, o filho José escreveu-lhe uma carta a pedir-lhe que lhe contasse a sua vida. Tinham crescido, por causa da clandestinidade, longe do pai e da mãe, e sabiam das opções políticas do pai mas queriam compreender e conhecer a sua vida. Só depois do 25 de Abril de 74 a família se tinha juntado toda à volta da mesma mesa”, relata na entrevista, acrescentando que “foi em resposta a essa carta que Jaime Serra escreveu ´Eles têm o direito de saber´ e mais três livros que se seguiram”.
A URAP inclina-se perante a vida e a obra deste revolucionário e envia à família e amigos as suas mais sentidas condolências.