A Voz do Operário homenageou, dia 12 de Fevereiro, Marília Villaverde Cabral, vice-presidente da Assembleia Geral da URAP e coordenadora da organização entre 2009 e 2020, em “reconhecimento de uma vida inteiramente dedicada às causas dos trabalhadores e do povo português”.
Na presença de mais duzentas pessoas, dirigentes de A Voz do Operário, autarcas, representantes do movimento associativo, grupos parlamentares, sócios honorários e sócios da URAP, amigos e familiares da homenageada, coube ao director-geral da Voz do Operário, Vítor Agostinho, dirigir a sessão solene, seguida de jantar.
O presidente da Assembleia Geral de A Voz do Operário, Libério Domingues, foi o primeiro a intervir, destacando a missão da instituição, que comemorava 139 anos de existência, assente na solidariedade e guiada pela missão da melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Debaixo de uma grande ovação referiu-se a Marília Villaverde Cabral, como uma grande mulher, afirmando que ao homenageá-la, “estamos a homenagear os antifascistas”, e que “é preciso lembrar que houve fascismo em Portugal” .
Marília Villaverde Cabral iniciou a sua intervenção confessando “que não foi fácil encontrar a forma adequada para agradecer à direcção desta instituição secular, A Voz do Operário, a decisão de lhe atribuírem a qualidade de sócia honorária”.
“Depois pensei: não estou sozinha. Levo comigo, na memória e no coração todos aqueles que, com coragem, enfrentaram as prisões, o desterro, as torturas e até a morte na luta pela Liberdade e por um Portugal onde se pudesse viver melhor e ser mais feliz”, disse.
A oradora lembrou como chegou à política, ainda adolescente, recordando a leitura do livro “A Mãe”, de Máximo Gorki, “que lhe mostrou que havia outro modo de viver, diferente do que se vivia à sua volta”, percebendo então que, “neste país, também havia quem não se subjugasse às injustiças e à falta de liberdade”.
“Quis-me juntar a eles”, afirmou, lembrando o caminho que percorreu enquanto jovem e mulher para que o fascismo tivesse fim e fosse implantada uma democracia em Portugal.
Marília Cabral contou como nos anos 60 foi criada a pró-Associação dos Liceus, as lutas estudantis, a prisão dos 1.500 estudantes, em 1962, na cantina da Cidade Universitária, onde ela se incluía. E mais tarde a criação do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e o trabalho sindical no qual esteve envolvida.
“Em todas estas lutas, eu era só um pequeno grãozinho de um grande movimento que nunca desanimava, que tinha sempre esperança e confiança no futuro, mesmo quando tudo parecia ficar negro à nossa volta. E a luta valeu a pena!”, garantiu, para acrescentar que “tivemos a felicidade de ver chegar a tal madrugada de que falava Sophia de Mello Breyner, e mesmo com os retrocessos, com o ataque aos sonhos que o 25 de Abril nos trouxe, valeu a pena”. Referindo-se ao presente, afirmou que “hoje, a minha principal tarefa é a URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses, organização herdeira da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, o que nos dá muita honra, mas também muita responsabilidade”.
“Lutamos contra o branqueamento do fascismo e contra o esquecimento de tantos homens e mulheres que entregaram as suas vidas à causa da liberdade”, afirmou.
Para finalizar, Marília Villaverde Cabral saudou “a Resistência Antifascista e esta Casa que faz parte da História da Resistência. Aqui, operários e outros trabalhadores aprenderam a ler, fizeram teatro, tiveram acesso à cultura que, de outra forma, não poderiam ter tido”.Antes da homenageada intervieram várias personalidades como o presidente de A Voz do Operário, Manuel Figueiredo; Domingos Lobo, director do jornal da instituição; Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada; José Pedro Soares, coordenador da URAP; José Carlos Batalha, presidente da Assembleia Geral da CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social e da associação local O Mirantense; a vereadora, com o pelouro da Habitação, da Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta; e Dinis Lourenço, em nome da CGTP.
A meio da sessão foi exibido um vídeo com testemunhos de crianças, do projecto educativo de A Voz do Operário, que versou sobre o trabalho da homenageada como lutadora antifascista, da URAP e da importância da memória.
Tomaram ainda a palavra Augusto Flor, presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto; e Pedro Franco, da Associação das Colectividades do Concelho de Lisboa.
Mário Figueiredo, o presidente de A Voz do Operário, fez a intervenção em nome da instituição que festejou o 139º aniversário e que atribui anualmente o título de sócio/a honorário/a a uma personalidade de mérito reconhecido nas áreas da política, cultura ou desporto.
“No último quartel do século XIX viviam-se tempos muito difíceis para a classe trabalhadora, em especial para os operários tabaqueiros, os quais, no âmbito da sua luta contra a exploração e a miséria a que estavam sujeitos e perante a recusa no acesso à imprensa então vigente, fundaram em 1879 o jornal a Voz do Operário, que passou a ser o meio privilegiado não só para denunciar as terríveis condições de trabalho e de vida, como para pugnar e difundir as suas justas reivindicações”, recordou o orador.
Continuando a falar sobre a história da instituição, Mário Figueiredo disse ser considerado “necessária uma estrutura organizativa que, para além de sustentar o jornal, tivesse um papel importante na luta pela dignidade e pela melhoria das condições dos trabalhadores e ao mesmo tempo contribuísse para a sua emancipação e elevação cultural”.
“Assim surgiu, em 13 de Fevereiro de 1883, a Sociedade A Voz do Operário, que desde logo, pugnou pela instrução e bem-estar da classe trabalhadora, e numa altura em que o ensino também estava vedado aos seus filhos, aos filhos dos operários e das camadas mais pobres, rapidamente se tornou um objectivo, tendo-se aberto a primeira escola em 1891, iniciando-se assim um muito relevante contributo para o acesso ao ensino e à cultura de muitos milhares de crianças e jovens ao longo da sua riquíssima história”, contou.
Em seguida, Mário Figueiredo revelou por que é que, este ano, a direcção decidiu distinguir Marília Villaverde Cabral, afirmando que foi “em reconhecimento de uma vida inteiramente dedicada às causas dos trabalhadores e do povo português”, ao mesmo tempo que relatou resumidamente a sua história de vida.
Depois de assegurar que ontem como hoje, importa não esquecer o que foi o fascismo, recordar e homenagear os resistentes e prosseguir na denúncia daqueles que o pretendem branquear, senão mesmo repô-lo, embora com outras roupagens”, lembrou que “comemoramos o nosso aniversário num momento em que se continuam a viver tempos conturbados do ponto de vista sanitário, mas com a esperança que se vão reduzindo os seus efeitos nefastos em termos de saúde pública e se vá retomando em pleno a normalidade na vida das pessoas”.
O orador relatou depois o trabalho realizado pela instituição - no presente e também as perspectivas futuras - em prol da escolaridade das crianças, de actividades associativas, de apoio domiciliário e reforço do refeitório social, servindo diariamente cerca de quatro centenas de refeições, muitas das quais em casa dos utentes do Centro de Convívio.
Para terminar, Mário Figueiredo assinalou que “comemoramos os 139 anos de história, com a certeza de que saberemos todos, associados, dirigentes, trabalhadores e amigos da Voz do Operário, com redobrado vigor, responder aos desafios, honrar e prosseguir o legado desta grande Instituição, em que também se insere esta merecida homenagem a Marília Villaverde Cabral, a partir de agora nossa sócia honorária, assinalando o percurso de uma mulher, com uma vida inteiramente dedicada ao ideal da construção de uma sociedade mais justa, desde a resistência antifascista até aos dias de hoje”.