A URAP prestou homenagem, dia 19 de Fevereiro, aos antifascistas mortos no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, junto ao mausoléu memorial, erguido no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa, que contém os restos mortais transladados em 1978, e acompanhados, sob uma chuva intensa, por uma imensa multidão de portugueses.
“Aos que na longa noite do fascismo foram portadores da liberdade e pela liberdade morreram no Campo de Concentração do Tarrafal”, lê-se no mausoléu, que evoca igualmente o nome das 32 vítimas.
Manuel Candeias, sindicalista, ex-preso político e do Conselho Nacional da URAP, foi este ano o orador principal. Falou do cortejo de 200 mil pessoas que acompanhou a transladação dos mortos do Tarrafal até ao cemitério em 1978, afirmando que “tal como nesse dia, temos também hoje o dever de memória para com estes revolucionários”.
“Mais do que uma tradição, é obrigação responsável assumida no compromisso em honrar o legado que nos deixaram”, disse, acrescentando que “o reconhecimento e dever de gratidão para com estes 32 heróis é extensível a todos aqueles que combateram o fascismo, particularmente aos que pagaram com a vida, não só no Campo de Concentração do Tarrafal mas também em todas as prisões fascistas e fora delas”.
Depois de sublinhar que “o Tarrafal não foi apenas um pesadelo para os que lá estiveram prisioneiros. Não foi um sonho alucinante para os que cá ficaram, mulheres, filhos e amigos”, frisou: “por muito que nos custe hoje acreditar, foi real”.
“Os revolucionários, barbaramente assassinados no Campo do Tarrafal
que aqui hoje repousam, não gozaram a alegria imensa dos que, como nós, celebramos a 25 de Abril: a conquista da Liberdade”, disse Manuel Candeias.
“Este acontecimento, fruto do sacrifício de milhares de homens e mulheres, transmitiu à maioria do Povo português, a milhões de seres humanos, a quem teve o privilégio de participar e assistir à monumental explosão de alegria, nesse processo histórico tão nobre, a obrigação de continuar lutando para que o fascismo nunca mais!”, afirmou.
Manuel Candeias lembrou e prestou homenagem a alguns tarrafalistas que conheceu e que muito influenciaram o seu percurso de vida, como Jaime Serra, “que deixou recentemente o nosso convívio, mas cuja vida e obra há muito se tinha da lei da morte libertado”; Francisco Miguel Duarte,” também alentejano, sapateiro como o meu querido irmão”; e Manuel Baptista Dos Reis, seu médico, “impedido pelo fascismo de exercer a profissão em hospitais ou outras instituições de saúde públicas”.
Deste último - comunista, membro da URAP e deputado municipal em Grândola - contou que foi “preso em 1932, ainda estudante. E em 36, já como médico, partiu para Espanha com seu irmão Mário Reis para apoiar o exército republicano na luta da resistência. Tendo sido ferido em combate, esteve em coma 20 dias e, com a proximidade das tropas de Hitler, foi deportado para Portugal, onde foi detido na fronteira pela polícia política. Ficou preso no Aljube e mais tarde enviado para o Tarrafal, onde ficou até 1946, sem julgamento nem culpa formada”.
Manuel Candeias referiu-se ao “tempo presente em que são notórios os perigos do regresso das velhas ideias reaccionárias, racistas, xenófobas e populistas”, para garantir que “a melhor homenagem que poderemos fazer a todos os heróis” será “uma resposta firme de todos os amantes do progresso, da justiça, da liberdade, dos ideais da democracia, do progresso social e da paz”.
A cerimónia foi presidida por Nuno Figueira, do Conselho Directivo da URAP, que lembrou já não haver tarrafalistas vivos, pelo que é ainda mais imperioso este acto de memória. “A memória tem de continuar viva”, sublinhou.
O orador afirmou que “a preservação da memória é tão mais urgente quando assistimos a tentativas de branqueamento”, que se observam com “o aparecimento de partidos com ideologias de extrema-direita”.
Depois de dizer que “os tarrafalistas contribuíram para o Portugal de Abril”, Nuno Figueira acrescentou que “defender Abril é honrar a memória desses homens”.
Desde a inauguração do memorial, quatro anos após o 25 de Abril, que a URAP realiza anualmente esta homenagem que considera um dever de memória e de agradecimento a todos aqueles que, assassinados no Tarrafal, defenderam com a própria vida os valores da liberdade e da democracia.
Na cerimónia, o momento cultural foi preenchido com música e poesia. A poesia esteve a cargo da actriz Lucinda Loureiro, que disse “Abandono”, de David Mourão Ferreira; “Regresso”, de Amílcar Cabral; e “Aos mortos vivos do Tarrafal”, de Ary dos Santos.
Ruben Martins cantou à viola “Menina dos olhos tristes”, de José Afonso; “Erguem-se muros”, de Adriano Correia de Oliveira; e “Cantiga para quem sonha”, de Luiz Goes.
A URAP agradece a presença e o apoio logístico da União dos Sindicatos de Lisboa e da Voz do Operário.