O núcleo da URAP de Vila Franca de Xira organizou um desfile comemorativo do 25 de Abril na cidade de Vila Franca de Xira, encabeçado pelos ex-presos políticos Afonso Rodrigues, Álvaro Pato, António Nabais, Eduardo Meireles e José Ernesto Cartaxo.
Juntaram-se ao desfile elementos dos movimentos associativo e sindical e muitas, muitas pessoas para comemorar e defender Abril. No final usaram da palavra Cláudia Martins, do núcleo concelhio da URAP, e Álvaro Pato, ex-preso político.
Álvaro Pato, do Conselho Fiscal, um dos ex-presos políticos “nascidos e criados no concelho de Vila Franca de Xira entre 1926 até 1974”, lembrou que passavam “precisamente 48 anos sobre aquele dia libertador da ditadura fascista” e que se estava a “homenagear todos os democratas e antifascistas que lutaram pela democracia”.
“Foi graças ao sacrifício dos antifascistas (…) que foi possível alargar a luta dos democratas pela liberdade e pelo fim da guerra colonial”, afirmou Álvaro Pato.
O orador defendeu que todas essas acções “influenciaram também a luta nos quartéis e no teatro de guerra nas três colónias, percursora do Movimento dos Capitães e da eclosão da Revolução do 25 de Abril e da unidade Povo/MFA”.
“Em Portugal, nesses 48 anos, houve dezenas de milhar de antifascistas presos pela PIDE e pela ditadura de Salazar e Caetano e dos seus serventuários”, disse.
Acrescentando: “Permitam-me aqui lembrar a família Pato e outros amigos: meu tio Carlos Pato, preso em 1947 e que, após a segunda prisão em 1949, morreu na prisão de Caxias, em resultado das torturas a que foi submetido, transformando-se o seu funeral, nesta terra, numa enorme manifestação de pesar e de condenação da ditadura; Abel Pato, seu irmão, preso durante 6 meses, em 1954; Octávio Pato, irmão de ambos, e meu pai, preso em 15 de Dezembro de 1961 e só libertado em 1970; Albina Fernandes Pato, sua companheira, presa na mesma data com os dois filhos, Rui e Isabel, de 2 e 6 anos, que estiveram um mês na cela com a mãe, só sendo libertada em 1968, com graves perturbações psíquicas, levando-a ao suicídio em 1970 e cujo funeral, também aqui, se traduziu numa enorme manifestação antifascista; António Tavares, nosso primo, libertado da prisão de Caxias para morrer tuberculoso em sua casa, também nos idos anos de 1949 e 1950; eu próprio, preso em Maio de 1973 e libertado na madrugada de 27 de Abril de 1974”.
Continuando a descrever vila-franquenses “que passaram muitos anos pelas prisões da ditadura fascista”, o orador referiu: António Dias Lourenço, preso cerca de 20 anos, que protagonizou a fuga do Forte de Peniche pelo mar, e após nova prisão foi libertado do Hospital-Prisão de Caxias na madrugada de 27 de Abril; as irmãs Mercedes, Georgete e Sofia Ferreira, presas diversos anos em Caxias; António Lopes, companheiro de Mercedes, oficial e meu mestre na Metalomecânica Mevil, em Santa Sofia, onde fiz o estágio, após tirar o curso de serralheiro na Escola Técnica de Vila Franca; Severiano Falcão, preso e depois libertado de Peniche nos anos 50, tendo sido o presidente da Câmara de Loures a seguir ao 25 de Abril e que conheci como operário, na Carpintaria Moderna, que existia perto de nossa casa no antigo Largo do Cerrado, hoje Largo Carlos Pato; Domingos Abrantes, ex-Conselheiro de Estado, nascido em Vila Franca, diversos anos preso em várias cadeias, tendo participado na célebre fuga de Caxias no carro blindado de Salazar, em 4 de Dezembro de 1961; Horácio Rufino e José Pedro Soares, presos nos anos de 1971/72 e também libertados de Peniche na madrugada de 27 de Abril de 1974.Depois de considerar que “não seria possível nesta intervenção enumerar todos os amigos e camaradas, nascidos e criados na nossa terra e que foram presos e perseguidos pela PIDE e obrigados a sair do País”, lembrou ainda “as centenas de presos levadas para a Praça de Touros de Vila Franca, após a greve pelo pão, em Maio de 1944” e aqueles “que foram presos nos últimos anos da ditadura, como António Pedro, Jaime Mesquita, Frank, Zé dos Frangos (…), o padre Cruz, Arnaldo Silva, Lindolfo Sopa, Ernesto Cartaxo, Vítor Dias e Rafael Galego (de Alverca) que foi libertado comigo da mesma cela de Caxias naquela madrugada de 27 de Abril de 1974”.
Álvaro Pato quis prestar homenagem “aos operários, empregados e intelectuais que se empenharam na luta contra a ditadura”. Para isso evocou “Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Arquimedes da Silva e tantos outros intelectuais que fizeram do Movimento Neo-Realista, uma tribuna contra a Ditadura” e “os dinamizadores das colectividades do concelho, como o Ateneu e a Secção Cultural União Desportiva Vila-franquense”.
“Neste particular, cabe aqui lembrar o camarada Emanuel Jordão, carpinteiro de profissão, que “puxava” pelos jovens para as secções desportivas e culturais do concelho” afirmou, acrescentando que “para o apoio e libertação dos presos políticos teve muita importância a acção da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos”, de que a URAP é “a sua herdeira democrática, unitária e antifascista”. Após Abril, o orador lembrou a manifestação do 1.º de Maio de 1974 em Vila Franca, a participação no Poder Local Democrático, destacando figuras como Rosalina Pinho e José António Veríssimo.
Falando sobre “a actual situação internacional”, assegurou que “temos de lutar pelo fim da guerra na Ucrânia e pela resolução pacífica entre todos os beligerantes, aplicando o princípio constitucional da resolução dos conflitos pela negociação e amizade entre os povos”.
“Esta guerra é também responsável pela actual subida dos preços, diminuição do poder de compra e desvalorização dos salários”, sublinhou, para apelar à “dinamização da luta por melhores salários para que os nossos filhos e netos tenham condições de vida dignas e não sejam sujeitos a novas guerras, como nós fomos obrigados pela ditadura”.
Depois de considerar que “hoje, em Liberdade, temos de continuar a luta por uma vida melhor para as novas gerações”, Álvaro Pato terminou dizendo que “à Democracia iniciada na madrugada do 25 de Abril de 1974, para ser plena, falta ainda erradicar a pobreza, combater a precariedade no trabalho e garantir habitação condigna para todos. Falta ainda travar o cada vez maior abismo entre ricos e pobres, criar melhores condições sociais, de saúde e de justiça mais célere para todos”. Anteriormente, Cláudia Martins, do núcleo concelhio da URAP, apresentou Álvaro Pato e começou por falar da organização, que em dois anos “duplicou o número de sócios”, como uma “associação unitária, fundada a 30 de Abril de 1976, que reúne nas suas fileiras um largo núcleo de antifascistas com intervenção destacada durante a ditadura e outros democratas que se revêem nos valores da luta antifascista”.
“A URAP foi criada pelos antifascistas que durante a ditadura integraram a Comissão de Socorro aos Presos Políticos, organização que com grande coragem afrontava o regime no coração da sua política repressiva”, acrescentou.
Afirmou que o núcleo de Vila Franca de Xira da URAP decidiu, no ano passado, recomeçar a realizar o desfile comemorativo do 25 de Abril, lamentando que “nenhuma Junta de Freguesia, a Câmara Municipal ou a Assembleia Municipal tivessem respondido ao nosso convite” para se incorporarem no desfile e que “não tivéssemos sido integrados nas comemorações da cidade de Vila Franca, nem tivéssemos tido conhecimento de que o largo da Câmara estaria ocupado com actividades”.
Sobre o orador, Cláudia Martins disse que falar de Álvaro Pato é reviver décadas de luta antifascista, marcadas pela dor, sofrimento, resistência e coerência política ímpar, mas serve, também, para constatar a impunidade, após 1974, dos que prenderam, torturaram e mataram durante 48 anos”.
“Mobilizado para a tropa em 1971, Álvaro Pato, desertou em Abril de 1972 por estar em vias de ser enviado para a Guiné, já que era “politicamente suspeito”, informação dada por um alferes, comandante de pelotão. Entrou, então, na clandestinidade, chegando a reencontrar o pai, também na clandestinidade, numa reunião política ocorrida no Porto em Outubro de 1972. Passou a ser António Gomes da Silva, segundo o forjado documento de identificação”, contou.
Em seguida falou da prisão, tortura e libertação de Álvaro Pato, a 27 de Abril de 1974 da cadeia de Peniche, onde a mãe o esperava. "Não trocaram uma palavra. Abraçaram-se a chorar, durante largos minutos", revelou.
“São estes homens que ajudaram a construir a Liberdade - como também o José Ernesto Cartaxo, o Afonso Rodrigues, o Nabais, o Meireles, o Manuel do Carmo Ribeiro, o Carlos Coutinho e tantos outros do nosso concelho e do nosso país -, que também devemos estar aqui a comemorar”, disse para finalizar.