No Porto, um grande número de amigos da URAP, organização que integra a Comissão Promotora das Comemorações Populares do 25 de Abril do Porto, concentrou-se junto à antiga cadeia, no Largo Soares dos Reis, onde dois oradores falaram aos manifestantes, para em seguida descerem a Rua dos Aliados.
“Neste início do desfile, cabe à URAP, em frente ao edifício onde a polícia política prendeu, torturou e matou, a honrosa missão de evocar a resistência antifascista, homenageando todos aqueles que, sujeitos à mais brutal repressão, combateram o fascismo, e cuja abnegada coragem nos continua, e continuará sempre, a inspirar”, disse Mário Esteves dirigindo-se aos manifestantes.
Depois de evocar a acção militar dos capitães de Abril, o orador afirmou que estes “souberam interpretar o sentimento do seu povo”, e “abriram as portas ao levantamento popular que, transformando acção em revolução, consolidou o derrube do regime fascista e as conquistas da Liberdade e da Democracia”.
O dirigente da URAP assinalou igualmente a celebração dos 46 anos de existência da Constituição da República Portuguesa e referiu o momento actual “marcado pela guerra e pelo recrudescimento de forças fascizantes”.
Em seguida, passou a palavra a Manuela Espírito Santo, escritora, crítica literária e animadora cultural, que foi directora do Departamento de Comunicação e Relações-Públicas da Câmara Municipal de Matosinhos, vice-presidente do Inatel, integrou a direcção do Teatro Experimental do Porto e foi vice-presidente do FITEI. Pertence ainda à direcção da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
Manuela Espírito Santo começou a sua intervenção afirmando que “vivemos um momento particularmente conturbado. O mundo está a transformar-se num lugar estranho e perigoso”, para sublinhar que “o que parecia uma bizarria há meia dúzia de meses transformou-se num pesadelo bem real: a extrema-direita está em emergência no nosso País e em toda a Europa”. “Os órgãos de comunicação social - e não é por acaso que isso acontece - acarinham com desvelo as suas atoardas e cada vez é mais necessário contribuir para uma nova consciência crítica dos media, através da educação cidadã como alternativa ao caos planeado a régua e esquadro pelos grupos económicos que controlam os principais órgãos de comunicação social”, salientou na sua intervenção dedicada sobretudo ao papel da informação na actualidade, que caracterizou de “retrocesso antidemocrático e inquisitorial”.
Depois de falar na censura durante o fascismo, um "irreparável holocausto cultural e informativo”, lembrou como “em 1974, há precisamente 48 anos, com a queda da ditadura, os Órgãos de Comunicação Social assumiram desde o primeiro momento a liberdade de expressão, noticiando sem quaisquer constrangimentos os acontecimentos revolucionários”.
Manuela Espírito Santo abordou a transformação progressiva do papel da comunicação social à medida que os grupos económicos, que perderam privilégios, se tornaram de novo proprietários dos media portugueses.
“A informação passou a ser um produto que se mercadeja como qualquer produto de supermercado. Não obstante a existência dos estatutos editoriais, do estatuto e do código deontológico dos jornalistas, estamos perante novos métodos censórios. Há censura em todos os mecanismos, para ocultar, evidenciar, neutralizar”, afiançou, acrescentando que “a liberdade de imprensa não é para os jornalistas e muito menos para os leitores, ouvintes e telespectadores”.
“Quem tem liberdade de imprensa é quem tem mais poder económico, quem pode fundar uma televisão para influenciar milhões de pessoas. É na televisão, nos jornais, nas redes sociais, na torrente informativa que nos submerge que se forma e domina a opinião pública”, disse.
Afirmando que está a referir-se à “guerra de informação sem precedentes que nos entra em casa todos os dias a toda a hora a propósito da guerra na Ucrânia”, garantiu que “hoje, as verdades absolutas, o pensamento único, o achincalhamento de quem, coerentemente, defende princípios basilares de um Estado democrático, a execração pública dos que manifestam opiniões contrárias, são o novo ´normal´ dos nossos dias”.
“Todos recordarão as grandes parangonas nos jornais aquando da guerra no Iraque e das famigeradas armas de destruição massiva, o que veio a revelar-se um embuste político e que só servia os interesses de alguns”, lembrou, para dizer que “Portugal, apesar de um papel subalterno (como não podia deixar de ser) participou nessa farsa”.
Depois de lamentar que “infelizmente, não aprendemos nada com esse enorme e trágico erro”, sublinhou que “a guerra da informação assente na manipulação das emoções, na mistura de meias verdades com as mais descaradas mentiras, a ausência de contraditório, a eliminação de órgãos de informação, visa condicionar a opinião pública e condicionar os decisores políticos”.
Manuela Espírito Santo terminou referindo-se ao “recrudescimento do fanatismo”, do “ódio irracional de por quem pensa diferente” e da passividade de quem ouve deixando “que essas barbaridades aconteçam na nossa presença, legitimando, por omissão, discursos de ódio, discursos belicistas, antidemocráticos”, para concluir que “não é hora de desistir ou de perder tudo quanto conquistámos; não é hora de abdicar de um futuro que está ao nosso alcance. O futuro é já hoje!”