A URAP organizou, dia 27 de Abril, no âmbito da Comemorações Populares da Revolução dos Cravos, duas cerimónias, em Caxias e Peniche, para evocar a libertação dos presos políticos daquelas cadeias, momento marcante do acto revolucionário do Movimento das Forças Armadas de 25 de Abril de 1974.
Em Caxias, cerca de 150 democratas concentraram-se junto ao monumento erguido em memória dos presos políticos, e a cerimónia foi dirigida por Adilo Costa, ex-preso político em Caxias, membro do Conselho Nacional da URAP, que destacou a importância da iniciativa como um marco na preservação da memória e agradeceu a presença de ex-presos políticos, recordando aqueles que já não se encontram entre nós.
As intervenções estiveram a cargo de Luísa Vaz Oliveira, ex-presa política em Caxias, e do Coronel João Menino Vargas, da Associação 25 de Abril, que participou no acto de libertação dos últimos presos políticos do fascismo, em Caxias, na madrugada de 27 de Abril de 1974.
Luísa Vaz de Oliveira, que fez parte de um grupo de quatro estudantes de Económicas (hoje ISEG), preso entre 1970 e 1971, esteve detida durante 20 meses, relatou as experiências vividas pelas mulheres presas, o isolamento, os castigos infligidos, o sofrimento psicológico a que eram sujeitas pelo regime fascista.
Por seu lado, o Coronel João Menino Vargas referiu os crimes do fascismo, a opressão e a necessidade do acto libertador de 25 de Abril. Sublinhou que os militares fizeram o golpe militar, mas que foi o Povo que fez a Revolução.
Os dois oradores alertaram para a ascensão das forças da extrema-direita e os ataques ao 25 de Abril, que é preciso combater e derrotar para defender a Democracia.
Depois de referir que “a cadeia funcionou de 1936 a 1974, e centenas ou talvez milhares de homens e mulheres, aqui sofreram, por lutarem pela instauração de um regime democrático”, Luísa Vaz de Oliveira falou sobretudo destas, que, “de acordo com os números disponíveis, estiveram em Caxias 779 mulheres presas pela PIDE ao longo desses 38 anos, cumprindo penas de diferentes durações”.
“Éramos mulheres de vários estratos e condições sociais. Algumas, quando entravam, levavam consigo os filhos por não terem onde os deixar. As mulheres que participavam na luta eram estudantes de Lisboa e outras localidades; operárias de todo o país; clandestinas; mulheres jovens que tinham enviuvado, porque os maridos tinham morrido na Guerra Colonial”, disse.Luísa Vaz de Oliveira, que contou ter estado no recreio com mulheres detidas há mais de dez anos, falou nas “diferenças bem vincadas no encarceramento de homens e mulheres. Nas celas masculinas existiam dez ou mais homens por cela. Nas celas femininas, tanto quanto sei, no máximo quatro mulheres por cela” que levava à “sensação de isolamento e a falta de convívio era muito maior!”.
Para finalizar, a oradora destacou a “importância que estas novas gerações saibam o que custou, o que sofreram, o que viveram os portugueses que estavam dentro daquelas quatro paredes. Só assim, podem dar importância ao facto de hoje poderem exercer um direito que agora lhes parece tão insignificante, como seja o direito de votar (…)”.
O encontro encerrou com a participação do grupo musical os "Amigos de Abril" que interpretaram várias canções de intervenção.
No mesmo dia, um grupo de 150 pessoas concentrou-se junto ao Forte de Peniche, numa cerimónia dirigida por Carlos Mateus, membro do Conselho Directivo da URAP, que agradeceu a presença de ex-presos políticos e destacou a importância da iniciativa pela preservação da memória do dia em que as forças armadas libertaram os últimos presos políticos do fascismo, em Peniche.
Na sessão, falaram Clemente Alves, ex-preso político em Peniche e membro do Conselho Nacional da URAP; o Coronel José Maria Azevedo, que participou no acto de libertação dos últimos presos políticos do fascismo, a 27 de Abril de 1974; a vereadora Ana Batalha, da Câmara Municipal de Peniche, que salientou a importância do Museu como factor de preservação da memória da resistência e luta dos presos contra a ditadura; e a directora do Museu Nacional Resistência e Liberdade, Aida Rechena, que destacou as excelentes relações e colaboração entre o Museu e a URAP e o valor da existência do Museu para a preservação da memória da luta contra a ditadura.
Aida Rechena informou que dentro de um ano já será possível visitar mais espaços da Fortaleza, que se encontram agora em obras de recuperação, que atendem a critérios rigorosos para que o Museu possa ser integrado na rede internacional de museus, e terminou afirmando que o Museu pertence aos resistentes e que é património de todos.
O ex-preso político Clemente Alves recordou que perante “a visível a atrapalhação dos guardas”, os presos saíram na madrugada do dia 27 de Abril. “Mas apenas os que se encontravam nas prisões do continente, porque os presos nas ex-colónias só foram sendo libertados ao longo dos dias e até semanas seguintes, à medida que se desenvolvia a cooperação com os movimentos de libertação e se acertavam os termos para o fim da guerra colonial”, afirmou. O orador descreveu o ambiente que se vivia dentro da cadeia: “Nas primeiras horas, ouviam-se lá fora as buzinas dos carros, mais barulho e gritos do povo, enquanto cá dentro os presos se reuniam nos pisos onde se encontravam, exigiam explicações da direcção da cadeia, queriam sair, queriam ser libertados, todos e não apenas alguns”, como exigia o General Spínola.
“As horas iam passando”, disse, acrescentando que “só no dia 26 entraram aqui os Comandantes Machado dos Santos e José Maria Azevedo, acabados de chegar de Lisboa com a missão de libertar os presos”.“Quando já passava da uma da manhã do dia 27 de Abril, um a um, os presos que aqui se encontravam foram saindo, furando entre o mar de gente que os esperava há longas horas, sem arredar pé, à porta da Fortaleza (…) entre aplausos e abraços. Foi a festa da liberdade, a festa que já enchia as ruas e praças de todo o país, e aqui, no largo em frente, acontecia aquele momento único e inesquecível”, disse.
Clemente Alves lembrou os passos dados para transformar aquele local em museu da resistência, como a abertura de alguns espaços, a inauguração do Memorial com o nome dos presos políticos, as iniciativas junto de órgãos políticos e finalmente as obras que agora decorrem para a abertura “do Museu Nacional Resistência e Liberdade na Fortaleza de Peniche” que “é por isso uma grande conquista da democracia, uma outra grande vitória do 25 de Abril”.O encontro foi também encerrado com os "Amigos de Abril", que interpretaram várias canções de intervenção conhecidas, que os presentes acompanharam com alegria.