«O sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A “frigideira” teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto.
(...) Pouco depois de o Sol nascer já o ar se tornava abafado, irrespirável. Despíamos a roupa e estendíamo-nos no cimento para nela nos deitarmos. O Sol ia-se erguendo sobre o horizonte e o calor aumentava, aumentava e suávamos, suávamos. Sentíamos sede, batíamos na porta a pedir água, mas não tínhamos resposta. A água da bilha não tardava em ficar quente. Havia momentos em que a sede era tanta que passávamos a língua pela parede por onde escorriam as gotas da nossa respiração que ali se condensava. Os dias pareciam infindáveis. Suspirávamos pela noite, pois o frio nos era mais fácil de suportar. Mas pelo entardecer também a sede aumentava. A excessiva transpiração não era devidamente compensada. A “frigideira” matava».
A URAP lembra o 18 de Outubro de 1936, dia em que partiu o primeiro grupo de 157 presos políticos deportados para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, conhecido como o "Campo da Morte Lenta" e inspirado nos campos de concentração nazis, divulgando um extracto de um texto de Francisco Miguel.
O militante comunista, que passou mais de 100 dias na “frigideira”, que era, nas suas palavras, “uma caixa de cimento para onde eram enviados os presos que ficavam de ´castigo´”.
Segundo ele, “é muito devido a ela que o Tarrafal fica na História como o ´Campo da Morte Lenta´”.
A maioria dos presos políticos era marinheiros portugueses antifascistas e simpatizantes da Frente Popular espanhola, que tinham organizado a Revolta da Armada, de 8 de Setembro de 1936, juntamente com alguns anarquistas e comunistas da insurreição antifascista de 1934.