Intervenção de Cláudia Martins na Homenagem aos Tarrafalistas

Intervenção de Cláudia Martins, do Conselho Nacional da URAP, na homenagem aos Tarrafalistas,
no Cemitério do Alto de São João, Lisboa, a 25 de Fevereiro de 2023

homenagem tarrfalistas urap 2023 3Caras e caros amigos e camaradas,

Regressamos uma vez mais a este local de memória, onde repousam os restos mortais de 32 presos políticos, que entre as centenas que o fascismo salazarista enviou para o "Campo da Morte Lenta" no Tarrafal, não resistiram às condições prisionais terríveis e lá terminaram os últimos dias de suas vidas.
Este foi um dos maiores crimes do fascismo.

A brutal expressão da violência repressiva da ditadura, nesta época, foi a abertura do Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, a milhares de quilómetros de Portugal.

Crimes silenciados pela opressão, mas sempre denunciados pelos democratas, e que só com a Revolução de Abril foi possível transladar e que aqui estão neste monumento que se ergue em sua homenagem.

O "Campo do Tarrafal", inaugurado em Outubro de 1936, foi inspirado nos campos de concentração nazis, que Hitler nessa altura começava a montar na Alemanha e depois estendeu, como campos de extermínio, por todos os países ocupados pelo exército nazi.

Nesta cerimónia evocativa, que a URAP realiza todos os anos, aqui se lembra e reaviva o conhecimento do que foram esses tempos de barbárie, repressão e morte, testemunho que o passar do tempo não deve esquecer, mantendo viva para memória futura.

No Tarrafal não havia câmaras de gás, como nos campos de concentração nazis, mas os presos eram submetidos a um regime de morte lenta, e por isso ficou conhecido como o «Campo da Morte Lenta».

Os maus tratos e a má alimentação, as doenças sem tratamento e o clima, numa das mais insalubres regiões de Cabo Verde, mataram 32 dos portugueses que para lá foram deportados.

Nas primeiras levas de prisioneiros enviados para o Tarrafal encontravam-se muitos dos participantes nas greves do 18 de Janeiro de 1934, levadas a cabo pelos vidreiros da Marinha Grande, aquando da fascização dos sindicatos e da revolta dos marinheiros de 8 de Setembro de 1936.

No Campo do Tarrafal, muitos dos presos não tinham sido julgados, outros, há muito haviam cumprido as sua penas.

O tempo total de prisão dos 340 presos que passaram pelo Tarrafal somou dois mil anos, cinco meses e onze dias.

Dois mil anos de vida sacrificados num campo de paludismo e morte!

Este passou a ser um Monumento de grande significado para os democratas portugueses, visto que ele só foi possível porque houve em Portugal o 25 de Abril e porque o Tarrafal e os seus mortos não devem ser - não podem ser - jamais esquecidos pelos antifascistas.

O Tarrafal e os que lá sofreram e morreram devem continuar a ser lembrados por todos os democratas, homens e mulheres, que querem continuar a viver em democracia e liberdade, e não mais ver o seu país submetido a um regime de opressão e de tortura.

É sempre oportuno relembrar e mencionar esta data, aqui, no cemitério do Alto de São João, onde estão os restos mortais destes homens a quem muito devemos.
Muito se tem já dito e escrito sobre o campo de concentração do Tarrafal, mas nunca será de mais insistir, até para que o não esqueçamos, naquilo que foi uma das expressões mais refinadas da cruel repressão a que durante os quarenta e oito anos de fascismo esteve submetido o povo português, particularmente aqueles que mais ativamente resistiram.

O campo de concentração do Tarrafal foi um cemitério não só dos mortos que lá ficaram até ao momento em que num acto de devida e justa homenagem do povo português os seus camaradas de luta e cativeiro os trouxeram para Portugal, como foi também, um cemitério dos vivos que lá viveram e resistiram à morte.

O campo de concentração do Tarrafal foi feito pelo fascismo deliberadamente para matar. Claro que podemos também dizer, num outro sentido, que a existência do Tarrafal, como de outras prisões e lugares de tortura do fascismo, são um testemunho doloroso - mas vivo - que deve continuar vivo na nossa memória -, da resistência e da luta do povo português, luta que ao longo de décadas ajudou decisivamente a criar as condições que tornaram possível o 25 de Abril.

A democracia é obra dos democratas. Ela é uma sua conquista,e tem de ser objecto constante da sua defesa. Há quem diga que só se conhece bem o valor da liberdade depois de a termos perdido.

Ora nós, democratas portugueses, conhecemo-lo bem, pois a perdemos durante quarenta e oito anos.

Sabemos que corre no mundo tentativas de reescrever a história, distorcer a realidade dos acontecimentos, e regista-se também em Portugal uma campanha insidiosa que visa o branqueamento do fascismo, dos crimes cometidos pelos regimes fascistas, e das raízes, interesses e forças sociais a quem os regimes fascistas servem.

É uma campanha que visa abrir terreno à ofensiva das forças mais reacionárias do capitalismo e do imperialismo contra os direitos, liberdades e garantias alcançadas pelos povos com as grandes lutas e vitórias revolucionárias do Século XX, e que o 25 de Abril fez também chegar a Portugal.

O fascismo português teve os seus traços próprios determinados pela natureza sócio-económica de Portugal e nunca encontrou apoios e simpatia da parte do povo português. Não foi tão abertamente brutal, racista e arrogante como os regimes de Mussolini e de Hitler. Mas a sua actuação teve as mesmas raízes, serviu os mesmos interesses, usou métodos idênticos.

Foi uma ditadura que usou a repressão para impor no país um ambiente de terror. Esses métodos não resultavam duma crueldade gratuita. Tinham como objectivo principal uma maior exploração dos trabalhadores e permitir a aplicação de uma política que atingia cruelmente a esmagadora maioria do povo português, que só pelo terror podia ser imposta.

Não esquecer o que foi o fascismo, os seus métodos e os seus crimes é dever de todos os que não querem que volte a haver em Portugal e no mundo, sombras negras como as que a política do fascismo lançou na História do Século XX.

Todos sabemos que se aproximam as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e até lá a URAP vai continuar muito empenhada nas suas muitas atividades com alunos e professores, nas escolas e nas ações contra a guerra e a pela defesa da paz.

Vamos continuar a contribuir para que a 27 de abril, do próximo ano, dia da libertação dos presos políticos do fascismo, finalmente se inaugure o Museu Nacional Resistência e Liberdade, na Fortaleza de Peniche, uma outra grande conquista de Abril em resultado da grande luta travada por ex-presos políticos, familiares e amigos, no amplo movimento de democratas e antifascistas que a URAP ajudou a criar e a dinamizar.

No próximo ano, o ano das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a URAP quer que esta evocação aos tarrafalistas seja também ela um dos momentos marcantes das comemorações populares da nossa Revolução de Abril. Por isso, desde já aqui vos queremos propor que essa próxima evocação seja iniciada por um desfile popular numa praça da cidade, aqui próxima, com os ativistas da URAP e com muitas outras e outros democratas, empunhando cravos e as nossas bandeiras.

Que outras gerações se juntem nesta luta que continua.

Que se juntem os esforços de todos os que estão com o 25 de Abril, de todos os que estão com a democracia, para que o regime democrático português persista como uma conquista irreversível. Para que o Povo Português siga na senda do progresso social, da justiça e da Paz.


25 de Abril sempre!
Tarrafal nunca mais!

Lisboa, 25 de fevereiro de 2023

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