“O Tarrafal não foi nunca, nem deverá ser, um assunto que só dissesse respeito aos que por lá passaram. (…) O campo destinava-se a liquidar, em condições menos expostas, uma boa parte dos elementos mais firmes da luta contra o fascismo”, afirmou, dia 17 de Fevereiro, António Vilarigues, membro do Conselho Directivo da URAP, junto ao Mausoléu dos Tarrafalistas no cemitério do Alto de S. João, em Lisboa. [ver intervenção]
António Vilarigues - filho do dirigente comunista Sérgio Vilarigues (1914-2007) que em 1936 esteve preso 46 meses no Tarrafal depois de ter passado pelo Aljube, Peniche e Angra do Heroísmo, após adesão à Federação da Juventudes Comunistas Portuguesas aos 18 anos - falava na cerimónia anual que a URAP organiza para homenagear os 32 prisioneiros que morreram no Campo de Concentração e se encontram desde 1978 no Mausoléu Memorial, erigido por subscrição pública e no qual estão inscritos os seus nomes.
A propósito da transladação dos restos mortais do Tarrafal para Lisboa, que só foi possível depois do 25 de Abril de 1974, o orador assinalou que “já não se encontra entre nós nenhum dos sobreviventes do Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, mais conhecido como o ´Campo da Morte Lenta´”.
“O Tarrafal funcionou durante 17 anos, entre 1936 e 1954, período durante o qual foram encarcerados, torturados, mortos, 340 presos, totalizando 2.000 anos, 11 meses e 5 dias de perda da liberdade, a milhares de quilómetros de Portugal. Foi reaberto em 1962, desta vez destinado aos patriotas dos movimentos de libertação das colónias portuguesas. Foi encerrado definitivamente depois da Revolução de Abril, em 1974”, disse António Vilarigues.
“Havia o clima, os trabalhos forçados - a arrancar pedra, partir pedra, carregar pedra -, a água inquinada, a falta de higiene, o paludismo, a ausência de assistência médica, a desumanidade, o mal, o escrever à família uma carta ou um postal censurado de 40 em 40 dias. Havia a «frigideira», a tortura, os espancamentos. E havia a resistência e a luta heróica. Havia a Comissão de Campo clandestina e unitária, as tentativas de fuga, a Universidade Popular, a formação política, a circulação de informação clandestina, afirmou perante largas dezenas de pessoas que se encontravam junto ao Mausoléu para homenagear a luta antifascistas e a resistência.
Depois de sublinhar que “não podemos deixar que o apagamento do que foi a ditadura, e a reabilitação dos seus responsáveis e da sua política abra caminho ao ressurgimento de ideologias fascistas e de práticas políticas nelas inspiradas, em contraponto com as campanhas de descrédito, desvalorização e degradação da democracia”, António Vilarigues recordou que este ano “comemoramos os 50 anos do derrube do fascismo de Salazar e Caetano e a Revolução de Abril”, para dizer que “defender a liberdade e os direitos democráticos significa cada vez mais exercer os direitos de manifestação, de expressão, de reunião, o direito à greve e à propaganda política, a todos os direitos conquistados. E defender não só a democracia política, mas também a social, a económica e a cultural. Para que não haja fascismo. Nunca mais”.
A sessão de homenagem foi aberta por Matilde Lima, do Conselho Nacional da URAP, que saudou os presentes, agradeceu o apoio técnico à União dos Sindicatos de Lisboa e à Voz do Operário e apresentou o programa da homenagem.
Os participantes, que vieram em romagem desde a entrada do cemitério, já tinham entoado a canção de Zeca Afonso Grândola Vila Morena quando actuou o coro Lopes-Graça cantando, acompanhado pela assistência, o Hino de Caxias e Acordai.
A voz de Sofia Lisboa fez-se depois ouvir, acompanhada à guitarra por Rui Galveias, para outras duas canções: O que um Homem é Capaz, de José Mário Branco, e Abandono, de Alain Oulman e David Mourão Ferreira.
A homenagem terminou ao som de "25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", slogan gritado pelos participantes e estavam ainda sob as palavras de António Vilarigues que terminou o seu discurso recordando que “no próximo dia 10 de Março, quando votarmos, é também, e sobretudo, o que aqui foi dito que está em causa”.