Antifascistas

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marcos_ana_foto2Marcos Ana (Fernando Macarro Castillo) nasceu numa pequena aldeia perto de Salamanca, em 1920, no seio de uma família pobre de jornaleiros do campo. A sua vida foi marcada por uma paixão constante em defesa dos oprimidos e deserdados e uma entrega absoluta ao ideal comunista. Desde os primeiros anos da juventude lutou do lado republicano, durante a guerra civil espanhola. Quando esta terminou, em 1939, foi preso juntamente com milhares de democratas e condenado à morte. Permaneceu encarcerado durante 23 anos ininterruptos: toda a juventude e metade da vida. Nessa universidade dolorosa escreveu poemas que atravessaram as paredes da prisão e espalharam o seu nome pelo mundo, contribuindo para desencadear uma campanha de solidariedade em seu favor. Foi um dos primeiros presos políticos espanhóis defendidos pela Amnistia Internacional.

marcos_ana_foto3Ao ser libertado, em 1961, Marcos Ana percorreu a Europa e grande parte da América, sendo recebido em parlamentos, universidades e centenas de concentrações populares, promovendo e organizando a solidariedade com os presos políticos e as respectivas famílias e denunciando as práticas fascistas que, nessa altura, se realizavam em Espanha.





marcos_ana_foto5Fundou e dirigiu em Paris, até ao fim da ditadura franquista, o Centro de Informação e Solidariedade com Espanha (CISE), a que Picasso presidiu. Apoiado por personalidades da cultura e da política europeias, este centro organizou a defesa dos direitos humanos, a acção pela amnistia geral e a ajuda moral e material a todas as vítimas da repressão política.

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Com Mário Sacramento ao nosso lado

Promovendo esta sessão em memória de Mário Sacramento, a URAP, quis prestar homenagem a um dos combatentes contra a ditadura fascista que mais contribuiu para que fosse livre o terreno que hoje pisamos.

Nós, como resistentes e antifascistas portugueses, temos bem presente na nossa memória da luta colectiva o papel que Mário Sacramento teve como impulsionador e organizador dos Congressos de Aveiro, que abriram para a luta antifascista largos horizontes de unidade e apontaram com audácia objectivos políticos que vieram a florescer nos cravos de Abril.

Ao prestar esta homenagem, não podemos esquecer a perseguição e os sofrimentos inflingidos a Mário Sacramento, pelas suas actividades em prol da Democracia.

Preso por quatro vezes, a primeira quando tinha 18 anos, Sacramento foi daqueles antifascistas que não cedeu, não quebrou, não pactuou, defendendo também assim o valor das suas convicções.

«Nasci e vivi num mundo de inferno - escreveu Sacramento pouco antes da sua morte. Há dezenas de anos que sofro na minha carne e no meu espírito o fascismo. Recebi dele perseguições de toda a ordem - físicas, económicas, profissionais, intelectuais, morais. Mas, mesmo que as não tivesse sofrido,

o meu dever era combatê-lo».

Para isso lutou, para isso viveu. 

A vida não permitiu que ele estivesse presente no 3º Congresso de Aveiro, em que a Oposição Democrática, um ano antes do derrubamento da ditadura, apontou traços essenciais de um programa para  o estabelecimento de um regime democrático em Portugal.

Mas também nesse Congresso a sua memória esteve presente, quando os participantes, desafiando as interdições do governo civil e das polícias da ditadura, se manifestaram em romagem ao túmulo de Mário Sacramento, numa das iniciativas que comprovaram que ali, nesse Congresso de Aveiro, a luta pela Democracia estava a entrar numa nova e mais alta fase contra o regime fascista.

Essa jornada, como dizia Mário Sacramento, «lembrem-se de que nós, os mortos, iremos, nisso, ao vosso lado!».

O legado de Sacramento não terminou com o derrubamento da ditadura fascista.

Nós, na URAP, consideramos que na nossa sociedade ainda hoje se manifestam as marcas deixadas pelo salazarismo de um profundo atraso como rastos inevitáveis de um passado que bem merecia estar já mais distanciado da nossa realidade.

Está ainda por fazer a exacta estatística de crimes de morte cometidos pela PIDE. Como também dos que foram assassinados com a tortura refinada evitando deixar marca. Pela morte lenta no Tarrafal e nos longos anos de cárcere.

Haverá quem diga que o assunto não é actual, já passou à História.

Mas só uma grave ou leviana incompreensão da História pode levar à convicção de que o 25 de Abril pôs um fim definitivo a qualquer regime autoritário ou ditatorial.

Por isso não pode deixar de nos alertar a insidiosa campanha de branqueamento da ditadura fascista (agora hipocritamente chamada «antigo regime») e o falseamento da memória dos que lutaram para que Portugal fosse uma democracia.

Não podemos esquecer que os crimes do fascismo não se deveram apenas à crueldade dos que os praticaram. Foram parte integrante de uma política que só pelo terror podia ser imposta ao povo português.

O antifascismo mantém-se como exigência actual.

Mais ainda porque há hoje em Portugal uma nova geração que não conheceu, felizmente, o peso da repressão política, das prisões e torturas, da censura, da miséria, da emigração massiva e das guerras do fascismo. Não viveu, felizmente, a abominação das concepções da ideologia fascista que a versão salazarista de fascismo quis impor ao povo português, matraqueando-a nas escolas, martelando-a na comunicação social amordaçada.

Não podemos deixar que o apagamento do que foi a ditadura, e a reabilitação dos seus responsáveis abram caminho ao ressurgimento de ideologias fascistas e de práticas políticas nelas inspiradas, a par das campanhas em curso de desvalorização e degradação da democracia.

Fascismo, nunca mais?

Não podemos entender isso como garantia de que «o fascismo não voltará».

Não voltará certamente nas formas que assumiu nos anos 20/30 do século passado. A sociedade não é a mesma, as estruturas são diferentes.

Mas o fascismo não é um fenómeno histórico de uma determinada conjuntura.

Tem carácter universal, com raízes sociais e económicas que aparecem como resposta desesperada numa economia em queda.

Foi num cenário assim que se preparou e desencadeou no século XX o assalto do nazi-fascismo ao poder, com expressões próprias nos vários países da Europa. Era a época em que Salazar se fazia fotografar com o retrato de Mussolini na sua mesa de trabalho.

Mas no mundo de hoje encontramos traços igualmente inquietantes.

Estamos num mundo adverso, às vezes sob formas dissimuladas, à liberdade, ao progresso, ao bem-estar. As esperanças de futuro andam minadas por ameaças que agravam à escala planetária factores de crise económica e social.

A instabilidade e o medo à instabilidade, a insegurança laboral, a polarização da pobreza e da riqueza, a crescente diferença planetária na distribuição dos recursos e rendimentos, a deslocação de milhões de pessoas a quem são negadas condições de sobrevivência, uma política de guerras e de dominação, criam angustiantes factores de desestabilização.

A violência da exploração, a injustiça social, corroem a democracia, retiram-lhe os indispensáveis apoios, porque essa democracia não é acompanhada por uma democracia social e económica, dando-se prioridade à concentração de lucro, com as consequências e medidas a que isso obriga.

Desacreditam-se instâncias políticas, conceitos ideológicos e valores que estavam credibilizados com a vitória da democracia.

Mário Sacramento inscreveu a sua vida na luta milenária que a humanidade trava por um mundo mais justo.

Nas palavras do seu testamento político deixou-nos um apelo que é também um honroso encargo, dizendo: «Instaurem uma sociedade humana! Promovam o socialismo, mas promovam-no cientificamente, sem dogmatismos sectários, radicalismos pequeno-burgueses! Aprendam com os erros do passado. E lembrem-se de que nós, os mortos, iremos, nisso, ao vosso lado!»

Na fase crucial que a civilização humana atravessou no século passado, os antifascistas foram a grande força de contenção de um catastrófico retrocesso histórico. Eles ousaram lutar pela democracia e o respeito pelos direitos do ser humano.

Dizia Mário Sacramento:

«O fascismo é o fim da pré-história do homem. E procede, por isso, como um gangster encurralado. Fiz o que pude para me libertar, e aos outros, dele. É essa a única herança que deixo aos meus Filhos e aos meus Companheiros».

O branqueamento do que foi o fascismo, em Portugal e no mundo, apaga, numa falsificação da História, a resistência dos povos e dos que como Sacramento, não cederam, não capitularam, e se uniram para barrar caminho ao fascismo. O de Salazar, como o de Franco, Hifler e Mussolini.

Por isso também estamos hoje aqui a prestar homenagem a Mário Sacramento.

Mas render homenagem à vida e à luta de Mário de Sacramento não significa apenas um exercício de memória, o cumprimento de um ritual ou o assinalar de uma efeméride.

Estamos aqui, também, para defender a democracia dos riscos que a podem ameaçar.

Os perigos de regimes a ela opostos, como o fascismo salazarista, não passaram a figuras do museu da História: permanecem e devem fazer parte da atenção e do conteúdo da luta por uma democracia que se vê ameaçada.

Entre os perigos que a ameaçam perigos, o principal consiste nas várias tentativas de seu desvirtuamento, utilizando muitas vezes para o seu esvaziamento a margem de acção conferido pelas próprias conquistas democráticas, como o direito de voto, mas sempre com uma manipulação sociológica da opinião pública que reserva o exercício do poder a círculos ultra-restritos e combinados para nele se perpetuarem.

Nesta luta central pela defesa da democracia inclui-se como objectivo essencial o seu aprofundamento e o seu reforço, com utilização constante de instrumentos de acção de denúncia e fiscalização dos perigos anti-democráticos.

Mas também porque está no centro de muitas outras lutas importantes, de cujo resultado depende o nosso futuro.

A luta pela Democracia vale por si própria. Mas também porque está no centro de outras lutas vitais, de cujo resultado depende o nosso futuro.

E nessa luta Mário Sacramento continua ao nosso lado.

 

27 de Março de 2009

Aurélio Santos

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Texto de Jorge Sarabando

imgem_mario_sacramentoFoi num tempo cheio de sombras, medos e espantos, onde irrompem, por vezes, clarões de esperança e indignação, que Mário Sacramento, há quarenta anos, nos deixou.

Hoje sabemos que a ditadura se aproximava do fim. Faltava pouco, cinco anos apenas, para a alvorada libertadora de Abril e tudo agora nos parece mais fácil e óbvio, de todo evidente e simples na linearidade de quem percorre uma recta final.

Mas, então, as cadeias de Peniche, Caxias, Tarrafal, estavam cheias de presos políticos, delas nos chegavam ecos angustiados de torturas e sofrimentos; das guerras de África havia as notícias oficiosas de operações triunfantes, e as verdadeiras, as dos relatos de combates e do inferno das minas e das emboscadas, e do sangue derramado; a censura controlava toda a informação e a actividade cultural, cirurgicamente, por vezes cinicamente, mas com grande eficácia, e cada iniciativa pública - um simples encontro de jovens, como então se realizavam entre mil cuidados, um acto comemorativo, como o do 31 de Janeiro ou do 5 de Outubro, obrigavam a requerimentos, explicações detalhadas às autoridades, com garantias de que a ordem, a sacrossanta ordem, não seria violada ou subvertida por qualquer palavra, até por uma simples canção.

Havia, ainda, os períodos eleitorais, em que a Oposição sempre participava, para aproveitar os escassos dias de restritíssima abertura em que era possível falar directamente com o povo.

Havia as lutas dos trabalhadores, greves corajosas e sempre duramente reprimidas. E, de tempos a tempos, novas levas de presos, intimidações, perseguições.

Era o tempo da emigração «a salto», em busca de trabalho e de melhores condições de vida, da fuga de milhares de jovens ao cumprimento do serviço militar.

O poder político era uma ditadura brutal, mas de falinhas mansas, ao serviço do grande capital monopolista e latifundiário.

Parece-nos já distante e mesmo absurdo, mas Portugal era uma prisão para quem amava a liberdade, para quem buscava, como nos versos de Sofia de Mello Breyner, «um país liberto, uma vida limpa e um tempo justo».

Foi, então, num tempo assim que Mário viveu e lutou, e nos deixou, num dia de Março, já tão perto de Abril.

Se fosse possível voltar atrás na fita do tempo, veríamos, em Aveiro, no centro da cidade, onde era o café Trianon, um homem sentado a uma mesa, rodeado de amigos, a mão suspensa no eterno cigarro, os olhos perscrutantes, a bonomia e a atenção que a todos devotava, e logo nele se revelava a capacidade de ouvir e o gosto de convencer sem vencer, a sua humaníssima solicitude para quem buscasse resposta a uma simples dúvida ou conforto para o sofrimento, o rigor e a convicção que empregava na defesa do que entendia justo e acertado, ou ainda aquelas súbitas exasperações para com o fascismo e os seus guardiões.

Médico estudioso e reconhecidamente competente, estimado pelo mais humilde dos seus doentes, intelectual que ensaiou os grandes debates de ideias da sua época, cidadão que empenhadamente participou em tantas e tantas lutas que, em Portugal, se travaram pela liberdade e dignificação do ser humano - assim era Mário Sacramento.

Corrigindo Montaigne, escrevia, dando um fiel retrato de si próprio: «0 meu ofício, a minha arte, é a vida - mas é, em primeira mão, a vida dos outros».

A figura de Mário Sacramento merece bem a atenção e o estudo das novas gerações, pois nele se inscrevem e reconhecem todos os impulsos e contradições de décadas da nossa história colectiva, e porque os viveu intensa e apaixonadamente, de cabeça erguida, com inteireza moral, firmeza de princípios, coragem cívica, ousadia em cada passo na luta pela liberdade, a que associava um elevado espírito de tolerância e compreensão pelas diferenças, capacidade de diálogo com aliados ou adversários políticos - de que apenas excluía os fascistas.

Ao debater presencismo e neo-realismo, materialismo e idealismo, estética e ideologia, existencialismo e estruturalismo, procurava a dialéctica como método, a praxis como critério de verdade, mas, ao referir-se aos grandes movimentos sociais e literários, serenamente declarou: «preferi vivê-los a escrevê-los».

Contrariamente ao que escreveu um companheiro de geração, Mário Sacramento não sacrificou o ser ao dever, ou, por antítese, o dever ao ser. Porque ele foi na vida, no trabalho, no estudo, na luta, uma síntese, torturada, embora, das contradições em que sucumbiram tantos intelectuais de formação marxista, o que o engrandece, distingue e projecta no tempo.

A sua intensa actividade de ensaísta, criador e crítico literário, animador cultural, lutador incansável contra a ditadura, era inseparável da sua condição de comunista.

Por isso merece reparo que, num estudo recente de âmbito universitário sobre a sua vida e obra, se tenha omitido esta circunstância histórica, sem a qual não é possível entender, em toda a sua dimensão, a sua personalidade, o seu pensamento, e a natureza e alcance do seu empenhamento cívico.

Os que o conheceram sabem como sofria por cada corte da censura, e como paciente e imaginosamente escolhia, uma a uma, cada palavra, e as recobria das vestes mais diáfanas para que, iludindo o censor, chegasse intacta ao mais ignorado dos seus leitores; como cumpria a mais apagada, mas sempre necessária, tarefa clandestina do seu Partido; e como foi perseguido, ameaçado, materialmente lesado, e cinco vezes preso pela polícia política, a primeira vez com dezassete anos, outra durante seis meses, por ter subscrito uma carta a Salazar de solidariedade com os presos políticos do forte de Peniche, em greve da fome por melhores condições prisionais.

Os que o conheceram acompanharam os últimos momentos da sua colaboração na imprensa, na iniciativa que designou por "Diálogo com os Católicos", uma audaciosa aventura intelectual, merecedora de revisitação, que pode ser feita através da leitura do livro "Frátria". Nela, é-nos oferecido uma raro testemunho, duma desesperada, mas também determinada e lúcida busca de novas forças para combater e derrubar o fascismo, sem qualquer colagem acrítica ou abdicação de princípios e convicções, antes com o debate aberto e o exigente confronto de ideias, método eminentemente dialéctico.

A amargura e o desencanto que ressumam do último artigo, que sugestivamente intitulou de «SOS», são, ainda, um apelo, contido mas pungente, para que outros retomem e prossigam um caminho por desbravar.

O espírito conciliar e a mensagem da «Mater et Magistra», de João XXIII, não tinham impregnado a Igreja portuguesa, e vozes desassombradas como a do padre Felicidade Alves logo eram caladas e desautorizadas, pois a hierarquia mal se demarcava do regime.

O modo como Mário Sacramento se despede, na «Carta-Testamento» e nos últimos textos que assinou, mostram-nos como o fascismo era, na sua essência, violento e opressivo. Combatê-lo era, para as consciências livres, uma outra forma de respirar.

 

Estávamos em 1969, momento de uma aparente viragem estratégica no percurso da ditadura.

Marcelo Caetano, ao suceder a Salazar, tinha anunciado uma «evolução na continuidade», um composto híbrido, suficientemente ambíguo para alimentar expectativas, e, de caminho, paralisar lutas, aplacar revoltas e sustentar ilusões.

Era o tempo do «Zip-Zip», um programa televisivo que logo concitou as atenções, pois tinha outra agilidade e desenvoltura na linguagem e no tratamento dos temas, mas que cessou ao fim de alguns meses. Era o tempo das canções de José Carlos Ary dos Santos, como a «Desfolhada», na voz de Simone de Oliveira, ou «A Tourada», na voz de Fernando Tordo, que trouxeram até ao grande público a poesia, pela censura julgada irreverente e subversiva, e que os poderes instalados tentaram desvalorizar, pela dificuldade de as proibir, pois já tinham ganho o coração do povo.

A oposição democrática mais organizada e responsável, em que se destacava o PCP, logo classificou o discurso de Caetano como «demagogia liberalizante». De facto, o novo rosto da ditadura prometia, mas sem se comprometer, mudava os nomes às coisas sem mudar as coisas. Pide - DGS; Censura - Exame Prévio...

Tinha que ser testado, e foi, - com o incremento das lutas sociais, com novos passos do sindicalismo (a formação da Intersindical estava iminente), com a crise estudantil polarizada em Coimbra, com a resistência anti-colonial, com iniciativas como o 2.º Congresso Republicano, de que Mário Sacramento foi, ainda, o principal impulsionador .

A resposta foi implacável - no aumento do número de prisões, na brutalidade dos algozes, na violência repressiva, nas proibições da censura, na intensificação da guerra e dos seus crimes.

Tal não obstou a que, durante um dilatado período, alguns sectores da oposição tivessem apostado fortemente numa, ainda que tímida e mitigada, abertura do Regime, e tenham conversado discretamente com Caetano e seus mandatários sobre os seus propósitos e limites.

Mas não era possível ao Regime fundado por Salazar, com a sua natureza de classe, rigidez autoritária, organização do poder, fundamentos ideológicos, auto-regenerar-se.

Cedo ficou claro que o Regime não tinha mudado a sua natureza, os seus desígnios e os seus métodos. Não havia compromisso possível, antes se ampliava a consciência de que a conquista da democracia implicava uma ruptura de Estado, e que a paz e a liberdade eram inseparáveis de profundas transformações económicas e sociais.

Na sessão comemorativa do 31 de Janeiro, realizada no Teatro Aveirense em 1969, último comício em que participou, dizia Mário Sacramento: "Onde os privilégios económicos subsistem, os direitos políticos não se enraízam e podem ser coarctados sem dificuldade".

Foi um tempo áspero, violento, de um enfrentamento sem concessões nem ilusões.

Também no plano internacional se desenrolavam intermináveis e cruentos  conflitos militares, no Vietname, no Médio Oriente, onde o imperialismo tentava impor a ferro e fogo o seu domínio, e a Guerra-fria intensificava-se na Europa e em todos os continentes.

Mário Sacramento tudo procurava acompanhar, apaixonadamente, numa época em que a informação era bem mais difícil do que hoje. Vibrava com as perdas do imperialismo, sofria com erros e divisões no campo oposto.

Desses dias ficaram versos doloridos, mas que são marca indelével de um compromisso.

 "Foram cem os erros (já) do socialismo!?

Fossem cem mil - e socialistas seríamos!"

 

Foi, então, num tempo assim, de duros combates, opresso, plúmbeo, tão perto e tão longe da alvorada de Abril, que Mário viveu, tudo dando de si, com a sua palavra, a sua voz, a sua coragem, a sua inteligência, a sua generosidade, o seu dom de saber ouvir e convencer.

Talvez este breve apontamento ajude a conhecer melhor o homem e a obra, o intelectual e o cidadão. Mas não conseguem exprimir inteiramente a comoção, o reconhecimento de tanta gente anónima que acompanhou o seu corpo numa tarde de Março, em Aveiro, num longo rio de águas silenciosas.   

Disse Mário Sacramento: «a História não é um espectáculo a que assistimos, mas um real (condicionado, embora) que criamos».

Diríamos nós, de outra forma, que a História é feita pelos que não se resignam com a História...

Por isso, ecoa ainda hoje o apelo final, tão marcante, da sua «Carta-testamento», - «Façam o mundo melhor, ouviram?...» - apelo que a todos convoca e responsabiliza.

Jorge Sarabando

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