Homenagem aos Tarrafalistas
"Aos que na longa noite do fascismo foram portadores da chama da liberdade e pela liberdade morreram"

Intervenção de José Vargas
18 de Fevereiro de 2017

 

Amigos, companheiros:

 

Estamos aqui hoje, mais uma vez, junto ao Mausoléu Memorial dos Tarrafalistas, para prestar homenagem àqueles que, por ousarem lutar pela liberdade, foram assassinados pelo fascismo salazarista assassinou no Campo de Concentração do Tarrafal.


Em 18 de Fevereiro de 1978 – cumprem-se hoje precisamente 39 anos – numa grande homenagem nacional, foram transladados para este mausoléu os restos mortais dos 32 heróis mártires assassinados no sinistro Campo da Morte Lenta. Nesse dia, numa das mais impressionantes manifestações alguma vez realizadas em Portugal, mais de 200 000 pessoas acompanharam o cortejo, debaixo de intensa chuva, numa demonstração de reconhecimento e gratidão pelo seu contributo para a conquista da liberdade e da democracia. À frente desse desfile popular de homenagem, um grupo de ex-tarrafalistas empunhava uma larga faixa com uma exigência: "Tarrafal nunca mais!".


Exigência que não podemos nem devemos deixar esquecer, num tempo em que forças de extrema-direita, fascistas e neo-fascistas se levantam ameaçadoras em vários países e, entre nós, se silenciam e branqueiam ou banalizam os crimes do fascismo, ocultando das jovens gerações que a liberdade foi conquistada com enormes sacrifícios de milhares de resistentes e que o fascismo em Portugal existiu mesmo, com perseguições, prisões, torturas, mortes, de que o Tarrafal é um dos símbolos mais tenebrosos. A propósito, não podemos deixar aqui de assinalar a indiferença, o silenciamento, a censura por omissão, na generalidade da comunicação social, sobre o 80º aniversário da abertura, em 28 de Outubro de 1936, do Campo de Concentração do Tarrafal.


Criado segundo o modelo dos campos de concentração nazis para ser um campo de extermínio, o Tarrafal não tinha câmara de gás, mas sim agentes mortais silenciosos, os mosquitos que disseminavam o paludismo. Sem quinino, sem tratamentos médicos (o médico do Campo afirmava abertamente que não estava ali para tratar, mas só para passar certidões de óbito), os presos estavam sujeito a um regime de morte lenta. Os maus-tratos, a má alimentação, a água inquinada, o clima insalubre, concorriam para o criminoso objectivo de aniquilar física e psicologicamente os presos que para lá eram enviados. O balanço dos 18 anos de existência do Tarrafal (1936-1954) é o mais sinistro de todas as cadeias fascistas: o maior número de presos condenados a elevadas penas; o maior número de presos que não chegaram sequer a ser julgados; o maior número de presos que lá permaneceram para além das penas determinadas.


O somatório de anos de prisão dos 340 presos enviados para o Tarrafal durante os 18 anos de funcionamento ultrapassa os 2000 anos. Às 32 mortes há que acrescentar os muitos outros que morreriam mais tarde, na sequência das doenças contraídas no campo e dos maus tratos de que foram vítimas.


O mais brutal dos castigos no Tarrafal era a chamada "frigideira", uma caixa de cimento para onde eram enviados os presos que ficavam de «castigo». Francisco Miguel, o histórico combatente anti-fascista que passou mais de cem dias na "frigideira" deixou-nos uma impressionante descrição que justifica bem o nome que os presos tinham dado a esse cárcere de tortura:


«Lá dentro era um forno», «o sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A "frigideira" teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto.» (...) «pouco depois de o Sol nascer já o ar se tornava abafado, irrespirável. Despíamos a roupa e estendíamo-nos no cimento para nela nos deitarmos. O Sol ia-se erguendo sobre o horizonte e o calor aumentava, aumentava e suávamos, suávamos. Sentíamos sede, batíamos na porta a pedir água, mas não tínhamos resposta. A água da bilha não tardava em ficar quente. Havia momentos em que a sede era tanta que passávamos a língua pela parede por onde escorriam as gotas da nossa respiração que ali se condensava. Os dias pareciam infindáveis. Suspirávamos pela noite, pois o frio nos era mais fácil de suportar. Mas pelo entardecer também a sede aumentava. A excessiva transpiração não era devidamente compensada. A "frigideira" matava».


Francisco Miguel que seria o último preso português a sair do sair do Campo de Concentração do Tarrafal, em 1954, veio com a saúde arrasada. Mas, como muitos outros, não cedeu. E deixou-nos um apelo:


"Antifascista, democrata, homem progressista: quando pensares nos direitos da pessoa humana não esqueças o Tarrafal. Se queres defender a liberdade, construir e consolidar a verdadeira democracia, faz alguma coisa para que o fascismo não possa voltar mais à terra portuguesa".

 

Evocamos a memória e o legado de Francisco Miguel, como poderíamos evocar outros dos que sobreviveram e continuaram a luta, como por exemplo Pedro Soares que voltaria a ser preso e a evadir-se, ou Sérgio Vilarigues que, libertado do Tarrafal em 1940, nunca voltaria a ser preso apesar de ter passado mais de 27 anos de clandestinidade no interior do País.

 

A prova de que a preservação da memória da resistência anti-fascista é hoje um valor essencial da democracia foi a pronta reacção indignada de numerosos democratas e anti-fascistas à pretensão do Governo, no início de Outubro passado, em concessionar o Forte de Peniche a entidades privadas para fins turísticos e hoteleiros. Num curto espaço de tempo, a petição Forte de Peniche - Defesa da memória, resistência e luta", promovida pela U.R.A.P., recebeu 9.600 assinaturas e foi entregue na Assembleia da República. Outra importante iniciativa foi o encontro-convívio que reuniu no Forte de Peniche, em 29 de Outubro (data de abertura do Campo de Concentração do Tarrafal), cerca de 600 ex-presos políticos, familiares e amigos. Por efeito imediato desta movimentação e luta, a 10 de Novembro, o Governo anunciou a retirada do Forte de Peniche na lista dos imóveis a concessionar a privados.


Depois dessa decisão, numa reunião efectuada a 26 de Janeiro, muito participada, os subscritores da petição aprovaram as linhas de orientação para que se concretizem os objectivos de preservação integral da Fortaleza de Peniche, "enquanto lugar especial de memória de resistência e de luta antifascista, e consideraram essencial a instalação no Forte de Peniche de um verdadeiro Museu da Resistência e da Liberdade, dando entretanto máxima urgência e prioridade à instalação, por razões de impacto e simbolismo, ao ar livre e na zona central e frontal aos pavilhões, de um Memorial com os nomes dos cerca de 2500 antifascistas que estiveram presos na Cadeia de Peniche".


Está previsto que o Memorial seja instalado no âmbito das comemorações do 25 de Abril, altura em que a URAP e o Movimento da Petição esperam publicar um livro sobre a Fortaleza de Peniche, quer na sua dimensão histórica e patrimonial de construção militar, quer e sobretudo como prisão política, recolhendo aliás testemunhos de ex-presos.


Para que se cumpram as expectativas criadas, apelamos à participação e apoio às iniciativas e acções agregadas em torno da ideia comum «Forte de Peniche – Defesa da memória, resistência e Luta».


É nosso dever e é nossa tarefa transmitir e explicar às jovens gerações o significado pleno das expressões:
Tarrafal nunca mais!
Fascismo nunca mais !
25 de Abril sempre!

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Comunicado
26 de Janeiro de 2017


logo Forte Peniche defesa da memoriaEx-presos políticos em Peniche, familiares e amigos de outros presos, democratas de diversos quadrantes e promotores da petição «Forte de Peniche- Defesa da Memória, Resistência e Luta» que foi entregue em 5.10.2016 na Assembleia da República com 9.600 assinaturas, reunidos em Lisboa, em 26.1.2017, sob a égide e por iniciativa da URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses:


Valorizam o amplo e poderoso movimento de opinião que, com diversas expressões, rapidamente se ergueu contra o propósito da concessão a privados para fins de exploração hoteleira da fortaleza de Peniche numa importante manifestação de apego aos valores da liberdade e da democracia e de consciência colectiva do imperecível lugar da resistência antifascista na história do Século XX português.


Registam de forma no essencial positiva as informações recebidas sobre os desenvolvimentos entretanto ocorridos sobre este assunto em resultados dos múltiplos contactos com as instituições democráticas, com a autarquia local e com diversos departamentos de Estado.


Nesta fase do processo, e em plena abertura ao diálogo com outras ideias e propostas, entendem formular publicamente três ideias fundamentais que, em seu entender, deviam orientar os projectos e trabalhos de reabilitação, melhoramento e reconversão da Fortaleza de Peniche :

 

Assentarem numa concepção geral que respeite sempre a Fortaleza como um todo e que integre harmoniosamente quer a componente de lugar especial de memória de resistência e de luta antifascista, quer a componente da história multicentenária da própria fortaleza quer ainda, e imprescindivelmente, a componente da cultura e património da cidade e região de Peniche e do seu povo e que inclua um numeroso e moderno conjunto de valências (centros interpretativos, salas de exposições e projecção, serviços de apoio aos visitantes).

 

Garantirem a preservação de todo o património edificado, o que implica a expressa recusa da demolição de qualquer dos três blocos prisionais (os denominados A, B e C) e o afastamento definitivo de projectos de exploração hoteleira que são manifestamente incompatíveis com aquele lugar enquanto espaço de celebração de uma dorida memória histórica mas que certamente seriam bem-vindos e úteis ao concelho em outras atraentes localizações de que este dispõe.

 

Ainda que de uma forma eventualmente faseada, considerarem essencial a instalação no Forte de Peniche de um verdadeiro Museu da Resistência e da Liberdade, dando entretanto máxima urgência e prioridade à instalação, por razões de impacto e simbolismo, ao ar livre e na zona central e frontal aos pavilhões, de um Memorial com os nomes dos cerca de 2500 antifascistas que estiveram presos na Cadeia de Peniche.

 

***
Finalmente, apelam a todos os democratas e a todos os cidadãos e cidadãs que entendem que o amor da liberdade e da democracia nos dias de hoje não pode florescer e fortalecer-se sobre a rasura dos sofrimentos que custou a sua conquista para que, sob as mais diversas formas, continuem a bater-se para que se cumpram as justas expectativas criadas e a apoiar as iniciativas e acções agregadas em torno da ideia comum «Forte de Peniche – Defesa da memória, resistência e Luta».

 

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Notas de Carlos Machado dos Santos, militar de Abril, da sua intervenção no convívio de ex-presos e amigos em defesa do Forte de Peniche

 

Comecei por saudar os presentes e dar a conhecer os motivos por que ali estava a intervir: primeiro, porque tinha sido convidado pela URAP, o que muito me honrava, embora, se tal não acontecesse, tencionaria estar, na mesma, presente;

 

depois, por razões racionais, ideológicas e morais, porque condenava a intenção inadmissível do Governo em alienar a privados, com diversos fins, vários edifícios do património nacional, designadamente o Forte de Peniche, símbolo da resistência ao fascismo e dos sacrifícios de milhares de pessoas na luta contra a opressão;

 

por outro lado, por razões sentimentais, justificadas pelo facto de ter sido um dos dois militares de Abril encarregados de proceder à libertação formal dos presos políticos no Forte, nesse glorioso 25 de Abril de 1974.

 

Fiz, então, uma breve resenha das dificuldades que se nos depararam para levar a bom termo essa missão, dados os obstáculos que o General Spínola, então chefe e militar formal do Movimento, colocava em libertar, incondicionalmente, os presos políticos quer em Caxias quer e, principalmente, em Peniche.

 

Narrei um ou dois episódio trágico-caricatos que antecederam a nossa chegada a Peniche e que justificaram todo o atraso no processo de libertação, que levou a que o primeiro preso apenas saísse em liberdade ao primeiro minuto do dia 27 de Abril; precisei que, apesar das dificuldades encontradas, a nossa missão conseguiu ser levada a bom termo.

 

Concluí que, apesar disso, nunca considerei que tivesse praticado um acto heróico, outrossim um dever cívico e de plena justiça, que me ajudou a elevar a auto-estima como Militar e como Cidadão, a ponto de valorizar esse dia como o mais significativo da minha vida.

 

Terminei agradecendo a todos os presentes e desejando-lhes força e determinação na actual luta em contrariar e, seguramente, anular as intenções do Governo sobre o destino desta Fortaleza.

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Intervenção de José António Amador, cidadão de Peniche, no convívio de ex-presos e amigos em defesa do Forte de Peniche

 

29 de Outubro de 2016

 

 

Queremos lembrar a todos o que foi a Solidariedade da população de Peniche durante anos e anos com as famílias e amigos de presos antifascistas.

 


Particularmente importante foi a solidariedade de quando das lutas dos presos políticos, como em 1952 quando a população de Peniche chamada por mulheres de presos políticos protestou à Frente da Fortaleza por melhores condições prisionais. A GNR carregou sobre a população e prendeu as mulheres de presos, Virgínia Moura, Olinda Rodrigues e Palmira de Sousa.


Em 1963 quando os presos recusando o rancho gritavam junto às grades das celas e salas: Queremos comida! Temos Fome! A População juntava-se no terreno frente à Fortaleza inquirindo sobre o que se estava a passar.


Extraordinária foi também a Solidariedade do povo de Peniche que apercebendo-se da grande fuga de Janeiro de 1960, durante a execução se calaram, permitindo que todos chegassem às casas que lhe estavam destinadas sem correr qualquer risco.


Também foi a solidariedade de Pescadores, que permitiram que Dias Lourenço aquando da fuga do segredo, numa noite de Dezembro em 1954 pudesse sair de Peniche com sucesso.


Outra forma de solidariedade foi prestada por algumas famílias nomeadamente de pescadores que recebiam em suas casas mulheres, mães e filhos de presos para assim numa deslocação a Peniche puderem visitar os seus maridos, filhos e país mais um ou outro dia.


A manifestação da População logo a partir da manhã de dia 25 de Abril é bem testemunho como o povo de Peniche, encarava ter na sua terra uma Prisão Política de Alta segurança.


O Governo em relação ao Forte de Peniche deve é preserva-lo como Património Nacional e o mais importante símbolo quer da opressão e repressão fascista, quer da resistência e da luta pela Liberdade e Democracia.


E cuja memória pode e deve ser preservada sem recurso a Privados.


Não vamos deixar esquecer que o Fascismo existiu e que dentro as muralhas desta fortaleza, milhares de presos pagaram um pesado tributo para que o povo português vivesse livremente, é um forma de hoje estarmos aqui a prestar uma justa homenagem às vítimas do fascismo e de alertar para a necessidade de manter viva a luta pela Liberdade.


Viva a Liberdade
Viva o Forte de Peniche

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Intervenção de Domingos Abrantes,  Convívio de Ex Presos Políticos, Familiares e Amigos
Fortaleza de Peniche, 29 de Outubro de 2016


Caros amigos


Quando no dia 27 de Abril de 1974 – derrubada a ditadura e derrotado o plano do general Spínola de manter a polícia e as cadeias políticas – se abriram as portas da Fortaleza a caminho da liberdade conquistada, seria difícil imaginar que, passadas mais de quatro décadas, aqui voltaríamos não para festejar o dia da libertação, pelo qual tantos lutaram e sofreram, não para participar na inauguração do projectado memorial que deve perpetuar a memória dos 2500 presos que aqui foram submetidos a um regime prisional odioso, não para visitar e saudar a criação de um verdadeiro museu que honre a história da resistência, mas para manifestar a nossa preocupação e indignação pela intenção do Governo de concessionar a Fortaleza de Peniche – o mais importante símbolo da repressão fascista ainda existente no continente – a entidades privadas, para fins turísticos, dando desse modo continuidade a toda uma política de muitos anos de apagamento da memória da resistência e, consequentemente, de apagamento e branqueamento da ditadura fascista que durante 48 anos oprimiu o povo português.


O projecto de privatizar a Fortaleza de Peniche deve ser considerado como um atentado à própria democracia e uma violação do dever de qualquer governo democrático honrar a memória de todos aqueles que deram o melhor das suas vidas, e não poucos a própria vida, para que o povo português pudesse ter a liberdade como modo de viver.


A própria ideia de transformar o Forte de Peniche, local de sofrimento para milhares de portugueses pelo seu amor à liberdade, num local de lazer à beira-mar plantado para gente endinheirada, quando os presos nem sequer podiam ver o mar, é em si mesmo um insulto à memória dos milhares de presos que aqui estiveram encarcerados por terem cometido o crime de lutar contra o fascismo.


Todos os presos que aqui estiveram, e suas famílias, sabem por experiência própria que a cadeia do Forte de Peniche não era apenas uma das várias cadeias que constituía o sistema prisional fascista, mas o mais odioso símbolo carcerário do regime no continente, pelas condições climatéricas, pela natureza penitenciária das instalações, pelo tipo de carcereiros industriados para fazer a vida negra, pelos muitos anos que aqui passaram a grande maioria dos presos, pelo regime prisional marcado pela violência, a arbitrariedade, a humilhação gratuita e constante, a sujeição à vigilância permanente e insidiosa dos carcereiros, à péssima alimentação, a um regime prisional que em muitos aspectos não poupava as famílias e mesmo as crianças, e que fora concebido e implementado para levar à despersonalização dos presos, quebrar as suas convicções e determinação de luta, condenando-os a viver de memórias.


A tentativa de riscar a Fortaleza de Peniche da lista dos símbolos do fascismo e da resistência não é novidade.


Há cerca de 15 anos um governo e uma vereação socialistas concessionaram a um promotor turístico o direito de construir e explorar na Fortaleza uma pousada por um período de 30 anos. Projecto que não se concretizou porque o projecto Siza Vieira não satisfez as pretensões do promotor no sentido de ver aumentada a volumetria da pousada, o que implicaria a consequente destruição de edifícios existentes, o que não estava considerado, exigência que, ao que parece, agora o Governo pretende satisfazer.


Por isso, evocar hoje o projecto Siza Vieira como garante da «bondade» do projecto turístico anunciado, associado à entrega da gestão da Fortaleza ao promotor privado, não passam de uma manobra. Podemos informar que o arquitecto Siza Vieira não foi sequer ouvido, nem informado, sobre o novo projecto.


O ter sido metido na gaveta, se não mesmo no lixo, o projecto do Rogério Ribeiro para a criação de um verdadeiro museu na Fortaleza, os sucessivos entraves durante anos à melhoria da parte museológica existente dedicada à resistência, o não cumprimento de decisões institucionais não são separáveis de projectos privatizadores, há muito tentados.


Mas dizemos mais. A tese de que é possível compatibilizar aqui um museu da resistência, um memorial para perpetuar a memória dos milhares de presos que aqui estiveram, a manutenção do espaço do redondo, onde funciona o segredo, como símbolo dos mais pesados castigos disciplinares, com um hotel de charme não passa de uma falácia.


Desde logo, porque a realização do projecto implica a destruição de parte dos edifícios, o que jamais se pode aceitar. Depois, porque tal como aconteceu nos casos de privatização de outros monumentos, são os privados que acabam por determinar as regras de acesso e circulação no interior dos espaços concessionados.


O estranho argumento de que a entrega do património público à exploração de privados é essencial para assegurar a sua conservação e defesa é igualmente outra falácia. Se a Fortaleza está neste estado de degradação acelerada que todos vemos e a necessitar de intervenção urgente, isso é da inteira responsabilidade dos sucessivos governos, que não cumpriram o dever, como é sua obrigação, de conservar o património histórico nacional. Não há dinheiro para conservar o património, mas bastaria uma muito pequena parte dos muitos milhares de milhões dos dinheiros públicos enterrados em bancos privados para assegurar a conservação do património.


A defesa da Fortaleza de Peniche como símbolo da repressão fascista, de resistência e luta, é uma causa de todos os democratas, uma causa que pode, estamos certos, triunfar.

 

Caros amigos


Encontramo-nos aqui hoje numa acção em defesa da memória da resistência e de luta, para não deixar esquecer que o fascismo existiu, com todo o seu cortejo de crimes, para honrar a memória de todos aqueles que, pela sua abnegação e sacrifícios imensos, tornaram possível a conquista da liberdade.


Mas esta data de 29 de Outubro tem um significado muito particular para todos os antifascistas, uma data que não deve nem pode ser esquecida. Faz hoje 80 anos que 152 antifascistas foram inaugurar o campo de concentração do Tarrafal, o maior e mais sinistro símbolo da repressão fascista, lugar onde os presos foram submetidos às maiores violências e onde 32 deles foram assassinados, entre eles o Secretário-geral do PCP, Bento Gonçalves, quando já tinha terminado a pena há vários anos.


Não pode deixar de nos preocupar que uma data que devia ser lembrada a todos os portugueses não mereça a mais pequena referência, com raras excepções, da comunicação social, da generalidade das forças políticas e dos poderes constituídos.


Nenhum dos sucessivos governos, até hoje, apesar das muitas promessas, assumiu a sua quota parte de responsabilidades para conservar o Campo de Concentração do Tarrafal como local de memória da resistência, da repressão e da luta comum dos povos português e das ex-colónias, contra o fascismo e o colonialismo.


Mesmo a trasladação para Portugal dos restos mortais de 32 prisioneiros assassinados no Tarrafal e a construção do Memorial no cemitério no Alto de S. João só se tornou possível por acção e subscrição públicas, organizadas por um grupo de antifascistas que tomaram nas suas mãos essa tarefa.


Por isso, hoje, prestando homenagem às vítimas do campo de concentração do Tarrafal, dizemos que já não bastava que nenhum crime fascista tivesse sido julgado, em manifesto desprezo pelas suas vítimas, temos ainda de enfrentar a tentativa do Governo para apagar mais um símbolo do fascismo, que é a Fortaleza de Peniche.


O dever do Estado democrático não é colocar o património nacional ao serviço de um punhado de privilegiados, mas preservá-lo e colocá-lo ao serviço das populações.


A degradação destes edifícios é o espelho do processo de degradação do regime democrático e suas conquistas, de renúncia a valores de Abril, valores que não podem nem devem ser mercantilizados.


Estes edifícios, as suas paredes, as celas, embora vazias, falam por si do que foi a cadeia como símbolo de repressão, de muitos milhares de anos de vidas privadas da liberdade, que devem ser respeitados.


O Forte de Peniche não só deve permanecer como património público, como deve ser dotado de um verdadeiro museu da resistência, que propicie aos milhares de pessoas que aqui vêm durante o ano tomar conhecimento do que foi o fascismo, a coragem, a determinação da luta heróica do nosso povo pela liberdade. Um museu que fomente os valores da liberdade e da democracia.


Um museu que possa dar a conhecer às novas gerações, que vivem e crescem em liberdade, que este país esteve durante 48 anos privado de liberdade, que as mais simples manifestações eram reprimidas, que muitos portugueses foram presos, torturados, assassinados para libertar Portugal do fascismo.


Preservar a Fortaleza de Peniche como símbolo da memória da resistência e luta é uma exigência que fazemos ao Governo em defesa da liberdade e da democracia.


Como escreveu o nosso companheiro de prisão Borges Coelho, «as sociedades que não preservam a memória, não acautelam o futuro.» Foi esta a razão que aqui nos trouxe.


Por isso, hoje e aqui, e amanhã pelo país fora, afirmamos ao Governo a nossa determinação de tudo fazer para impedir mais um atentado à memória da resistência.


Fazemo-lo pela liberdade, fazemo-lo para honrar a memória das vítimas do fascismo, fazemo-lo que a mais sentida e vibrante palavra de ordem, «Fascismo Nunca Mais!» não seja apenas uma quimera, mas uma realidade que perdure para sempre.

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